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EMAG discute reforma do judiciário, confiança na Justiça e novas agendas

publicado 03/12/2012 10h10, última modificação 11/06/2015 17h04

A Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região-Emag, dirigida pelo desembargador federal Mairan Maia, em continuação ao seminário “Direito, Desenvolvimento e Justiça”, promovido em parceria com o centro de estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, recebeu na manhã de sexta-feira, 30/11, especialistas para debater o tema “Reforma do Judiciário, Confiança na Justiça e Novas Agendas”.

Compuseram a mesa do evento o desembargador federal Mairan Maia, o desembargador federal Nelton dos Santos e os palestrantes Diego Werneck Arguelhes, professor da Fundação Getúlio Vargas-FGV; Igor Lima, representando Flávio Caetano, Secretário de Reforma do Judiciário, e Frederico Normanha de Almeida, também professor da FGV.

As discussões tiveram início com a exposição de Diego Werneck, que mapeou estudos segundo os quais o Poder Judiciário é apontado como responsável por uma certa dose de incerteza jurídica, o que se refletiria nos problemas que o país tem para crescer, porque adotaria um determinado viés em suas decisões, contentando alguns setores da sociedade  e frustrando outros. Segundo alguns desses estudos, investidores e empresários apontam que o Judiciário estaria decidindo muito mais em favor dos consumidores e dos trabalhadores. Outros estudos,  desmentem essa “intuição”, no dizer do especialista.

Werneck informa, por exemplo, que de acordo com estudos do economista Armando Castelar, se os juízes tivessem que optar entre fazer justiça social e preservar os contratos, 19,7% escolheriam os contratos e 73,1% escolheriam a justiça social. No entanto, um estudo dos economistas Luciana Yeung e Paulo Azevedo, de 2012, verifica que as decisões do STJ envolvendo contratos, em 53,6% dos casos, são favoráveis ao credor, o que não corrobora a tese de que o STJ favorece os devedores.

Para Werneck, o problema é mais complexo do que parece. O tipo de percepção que investidores e empresários têm deixa de levar em conta fatores como a legislação aplicada ao caso concreto – o direito do consumidor, por exemplo, favorece o consumidor –as cláusulas abertas dos contratos que dizem respeito ao princípio da boa fé, à função social da propriedade, que estão na lei e na Constituição Federal. Dessa forma, nem tudo pode ser imputado à vontade do magistrado. Ademais, os agentes econômicos, especialmente em áreas novas da economia, levam incerteza para dentro do Poder Judiciário colocando cláusulas duvidosas em contratos, muitas vezes incompatíveis com a legislação, às vezes ambíguas, às vezes conflitantes, o que pode ser ou não intencional.

“O que pode ser colocado na conta do Poder Judiciário ?”, indaga o especialista. Em sua opinião, não existe decisão automática, pois os argumentos dos advogados não são óbvios. Também não existem respostas simples e acessíveis. Ele crê que sempre há um grau de incerteza no direito, mas cabe analisar se essa incerteza tem um viés patológico ou um viés estrutural, isto é, que pode estar na lei, na doutrina, ou na jurisprudência. Ele indaga se o fator surpresa nas decisões do Poder Judiciário, decorrente da incerteza estrutural é criticável.

A resposta deve ser buscada no confronto entre o resultado da decisão judicial e sua motivação. Por exemplo, até que ponto uma declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei pode ser tachada de ativismo ?  O mesmo resultado em decisões judiciais pode estar fundamentado em motivações completamente diferentes, até mesmo em fatores extrajurídicos. Werneck informa que as pesquisas quantitativas sobre comportamento judicial nos Estados Unidos vêm descobrindo que o caminho para a superação das dificuldades está na análise dos argumentos da motivação, muito mais do que no resultado produzido.

O segundo palestrante, Igor Lima, representando Flávio Caetano, Secretário de Reforma do Judiciário, expôs a agenda da secretaria para o tema. Ele mencionou uma série de políticas públicas e medidas que estão já em execução e há também uma série de projetos para o ano de 2013 a fim de melhorar a jurisdição e o acesso à justiça. Sua exposição foi rica em dados estatísticos, embora alguns, em certa medida, tenham sido contestados pela plateia do evento, composta, em sua maioria, por magistrados da Justiça Federal.

Lima declara que  há um excesso de litigiosidade demonstrado no fato de que a atual gestão da secretaria registrou um aumento de 7% no número de processos na Justiça Estadual, enquanto a população cresceu apenas 1%. Na Justiça Federal, o crescimento no número de processos é de 5%. Há uma taxa de congestionamento nos tribunais brasileiros de 71%. Em primeira instância, existem cerca de 4.590 processos para cada juiz. No STJ e no STF existem 8000 processos para cada juiz. O tempo médio de duração de um processo na justiça é de 10 anos. O mais antigo processo na justiça brasileira deu entrada em 1959. Entre os 100 maiores litigantes brasileiros estão o Poder Público, com 77% dos processos e os bancos, com 19% dos processos.

No Brasil existem cerca de 500 mil presos, sendo que desses 200 mil são presos provisórios, isto é, ainda não obtiveram uma sentença condenatória. O Brasil ocupa o 4º lugar no ranking mundial em número de presos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos,  da China e da Rússia. Existem 26 homicídios para cada 100 mil habitantes no país. Desses, apenas 8% são elucidados.

Um amplo conjunto de medidas foi apresentado para enfrentar esses problemas, das quais mereceram destaque a I Conferência Nacional sobre Acesso à Justiça, a ser chamada em 2013, que deverá traçar as linhas sobre acesso à justiça no Brasil, e um investimento de recursos financeiros, cerca de 300 milhões de reais liberados pelo BNDES, para os estados investirem nas Defensorias Públicas, buscando ampliar o acesso da população carente à justiça. No entender da Secretaria de Reforma do Judiciário, o acesso à justiça é ferramenta para redução da desigualdade social. Serão realizados investimentos ainda na informatização de varas; na criação de núcleos de conciliação em cidades de até 100 mil habitantes. Outra medida anunciada, que causou polêmica, foi a criação da figura do gestor de política judiciária, destinada a cuidar da área administrativa dos tribunais.

O terceiro palestrante, Frederico de Almeida, referiu-se a diagnósticos do Poder Judiciário para a realização da reforma de 2004, por meio da Emenda Constitucional 45, abordando, principalmente, como diferentes atores entendiam o impacto que o Judiciário tinha na economia, quando havia um discurso de que esse poder, sem a reforma, trazia incerteza jurídica e prejudicava o desenvolvimento econômico. O expositor trouxe  alguns dados para desmontar esse discurso, mostrando em que medida ele teve influência na reforma.

Ele lembrou que a preocupação original da reforma, antes de 2004, era a preservação dos direitos humanos, baseada principalmente em estudos do jurista Hélio Bicudo. No entanto, o conteúdo da Emenda Constitucional 45/2004 foi diferente da proposta original. A crítica ao diagnóstico de empresários e investidores em relação ao Poder Judiciário antes da reforma pode ser feita com base em três tipos de relação: de consumo, de trabalho e do  direito de propriedade.

No que se refere às relações de trabalho, é sabe-se que os empresários usam a justiça para protelar o pagamento de dívidas. No que diz respeito às relações de consumo, muitas das demandas que poderiam ser solucionadas nos Serviços de Atendimento ao Consumidor-SACs ou 0800 acabam chegando ao Judiciário, por ineficiência desses mecanismos. Os Juizados Especiais recebem inúmeras ações nesse sentido. Para as empresas, é mais barato pagar o custo de um  processo judicial do que resolver esses conflitos administrativamente, além da possibilidade de atomizar demandas que poderiam ser tratadas coletivamente.  Já no que concerne à propriedade da terra, ocorre uma criminalização dos movimentos pela reforma agrária e o Judiciário é acusado de leniência com as invasões, desprotegendo os proprietários. O especialista lembra que a Confederação Nacional da Agricultura critica propostas de mediação desses conflitos. “O Judiciário não é um Robin Hood brasileiro ligado à justiça social”, declara.

Ele chama a atenção ainda para o papel dos atores (juízes) que participaram da realização da reforma de 2004, informando que de maneira alguma ela foi aprovada para agradar o Banco Mundial, que teve que negociar com eles, e não fez aportes financeiros na modificação. “O resultado da reforma nunca foi 100% o que o Banco Mundial esperava. A pauta ficou reduzida aos pontos onde havia consenso, não com o banco, mas entre os atores locais”.

Como novas agendas para a reforma do Judiciário o especialista apontou a necessidade de não só informatizar as varas, mas também aumentar a agilidade nos procedimentos, já que 70% do tempo gasto com um processo é com rotinas cartorárias. Apenas 30% do tempo são destinados à análise da causa pelo juiz ou pelo advogado. É necessário ainda um sistema de informações processuais mais acessível ao cidadão comum. Por fim, há necessidade de produção de dados estatísticos precisos para municiar novas reformas. “Um Pode Judiciário melhor interessa a todos, mas é preciso pensar no tipo de gestão”, conclui.

Durante os debates, o desembargador federal Mairan Maia observou que a criação do gestor de política judiciária de nada servirá se o juiz ficar alijado desse processo. Ele lembra que os magistrados não estão aptos a administrar, pela formação própria ao profissional da área jurídica, mas podem se capacitar para tanto, o que é objetivo do Conselho Nacional de Justiça e da Emag.

O desembargador Nelton dos Santos enfatizou o fortalecimento do papel dos tribunais regionais para se evitar o que chamou de “a cultura de 3ª instância”. O setor de execuções fiscais foi apontado pelo magistrado como um dos mais problemáticos, já que é onde estão os processos mais longos. Lembrou a necessidade de aparelhamento das procuradorias a fim de minorar os efeitos dessa situação. O desembargador sugeriu ainda uma revisão nos honorários de sucumbência para impedir que as empresas se valham do recurso ao Judiciário a fim de não investir na qualidade de seus serviços. Outra medida aplicável aos bancos, por exemplo, é aumentar as indenizações pagas por dano moral, que hoje têm valores muito pequenos, o que impede que essas instituições façam um investimento maior em segurança.

Os debatedores mencionaram ainda a necessidade de incluir disciplinas como a mediação no ensino jurídico, que atualmente privilegia a cultura do litígio.

O seminário prosseguiu na parte da tarde com um painel sobre “Judiciário, Direitos e Cidadania”.

 

Com informações da Assessoria de Comunicação do TRF3