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Corregedor-geral da Justiça Federal concede entrevista à revista Justiç@

publicado 19/03/2012 16h30, última modificação 07/10/2016 19h25

O corregedor-geral da Justiça Federal e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, conversou com a equipe da Revista Justiç@, publicação eletrônica da Seção Judiciária do Distrito Federal. Durante a conversa, ele falou sobre a política de inibição de recursos protelatórios, implantada quando houve a reforma no Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformização (TNU) dos Juizados Especiais. Segundo o ministro, as mudanças garantiram agilidade no julgamento dos processos que precisam de uniformização. Na opinião do corregedor, deveria ser instituído um órgão como a TNU nos juizados especiais comuns, “poderia ser criado no STJ com o propósito de unificar a jurisprudência dos juizados especiais estaduais”. A respeito da restrição de recursos na Justiça, como um todo, Noronha afirma que isso é cabível nas instâncias extraordinárias. “Defendo a valorização dessas instâncias, tanto as do primeiro grau, quanto as do segundo grau”. Para que isso aconteça, de acordo com o ministro, não é necessário, de imediato, reformar o Código de Processo Civil, mas “afastar, de fato, o efeito suspensivo do recurso de apelação como regra”. Na avaliação do entrevistado, grande parte do problema da morosidade da Justiça seria resolvida, pois a decisão do juiz do primeiro grau passaria a ser executada de imediato. Em seguida, confira a íntegra dessa conversa abrangente, incluindo o tema correição na Justiça Federal.
 
Justiç@: Ministro, em setembro de 2011, quando o senhor presidiu pela primeira vez uma sessão da Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, o senhor propôs uma política de inibição de recursos protelatórios ou desnecessários. Essa proposta prosperou?

Ministro João Otávio de Noronha: Chegou a ser implantada. Promovemos profunda reforma no Regimento Interno da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais a fim de garantir maior agilidade no julgamento dos processos que realmente necessitem de uniformização (Resolução CJF n. 163, de 9 de novembro de 2011). O acesso à Turma Nacional de Uniformização era muito fácil. Antes da modificação promovida, podia-se entrar com incidente de uniformização dirigido ao JEF, depois à turma recursal; com a inadmissão, a União ou a outra parte poderia simplesmente apresentar petição de encaminhamento à TNU, possibilidade que foi extinta.

Há quem diga que talvez os JEFs não precisassem da TNU se os juízes fossem mais conscientes quanto ao padrão de decisão proferida em processos em que se discute legislação federal, evitando que sobre uma mesma matéria fossem proferidas decisões distintas. Alguns colegas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pensam assim, mas discordo, pois a TNU não só tem o papel de unificar a jurisprudência no plano federal, mas também de preservar a competência do próprio STJ. O fato é que, com essa modificação, o número de recursos já diminuiu. Agora, não cabe mais recurso da turma recursal diretamente para a TNU: primeiro se unifica na região. Isso faz com que as turmas recursais automaticamente obedeçam a um padrão, ou seja, adotem a jurisprudência sedimentada na região.

Justiç@: Como o senhor vê isso no âmbito jurisdicional nacional, nas outras Justiças ou mesmo na jurisdição cível comum?

Ministro João Otávio de Noronha: Nos juizados especiais comuns, deveria ser criado um órgão como a TNU. Penso não na criação de um tribunal de unificação da jurisprudência federal e estadual, como é o STJ. No meu entender, tal órgão poderia ser criado no STJ com o propósito de unificar a jurisprudência dos juizados especiais estaduais. Outra coisa muito importante é a mudança de comportamento e cultura. Se levada em consideração a última pauta de julgamento da TNU, verifica-se que foram proferidos votos sucintos e precisos. Essa é a nova cultura dos juizados especiais federais.

Justiç@: E fora do juizado, em relação à restrição de recursos na Justiça de uma maneira geral?

Ministro João Otávio de Noronha: A restrição de recursos é algo cabível nas instâncias extraordinárias. O que defendo é a valorização dessas instâncias, tanto as do primeiro grau quanto as do segundo grau. Para isso, o que se tem a fazer, de imediato, não é reformar o Código de Processo Civil, mas afastar, de fato, o efeito suspensivo do recurso de apelação como regra. Assim, resolve-se, em grande parte, o problema da morosidade da Justiça, pois a decisão do juiz do primeiro grau será executada de imediato. O efeito suspensivo só será concedido pelo relator em caráter excepcional. A automaticidade do efeito suspensivo faz com que todo mundo recorra com o propósito de retardar a decisão. Isso é um desprestígio ao juiz do primeiro grau, que se transformou historicamente em juiz de passagem. Agora, quando a parte sabe que a decisão será executada desde logo, tentará certamente um acordo, buscará alternativas como a conciliação. Com isso, os trabalhos nos tribunais irão diminuir e será dado prestígio a quem merece. Não há efetividade e celeridade sem que se prestigie a decisão do primeiro grau. Assim, diminuirá, consequentemente, o número de recursos para os tribunais superiores.

Justiç@: O senhor disse que é necessário que a comunidade jurídica faça um “acordo ético” que possibilite dizer ao jurisdicionado que em determinados casos ele não terá chance de obter êxito em seu pedido. Quem deveria dizer isso ao cidadão que está procurando acessar seus direitos?

Ministro João Otávio de Noronha: O advogado é o veículo de comunicação entre a parte e o Judiciário, é um técnico contratado pela parte. A União tem os procuradores federais, seus advogados. É chegado o momento em que o procurador há de dizer à parte que, no caso concreto, não é cabível mais recurso. No Brasil, os processos vão para instâncias superiores porque essa subida é facilitada pelo sistema recursal vigente.

Justiç@: A lei atual de custas merece alguma reforma?

Ministro João Otávio de Noronha: Já fui ingênuo em pensar que a Justiça deveria ser 100% gratuita. Hoje, considero ser isso um mal para o contribuinte. O custo de um processo é muito alto, é preciso ter essa consciência. O contribuinte não pode suportar o custo de demandas irresponsáveis, sem chances de sucesso.

Justiç@: Há diversas medidas de ampliação do acesso ao Judiciário sendo implementadas atualmente, caso dos juizados especiais itinerantes e dos juizados especiais nos aeroportos. O que o senhor acha de tais iniciativas?

Ministro João Otávio de Noronha: Primeiro, entendo que esse juizado deveria estar na rodoviária, e não no aeroporto. Há advogados que se afastaram dos padrões éticos aceitáveis. Existem as chamadas causas de massa, em que causídicos espalham panfletos e pegam o cliente quase que a laço. Alguns advogados ficam milionários cobrando de 15% a 30% do valor da condenação, como as que dizem respeito a planos econômicos. Conheço pessoas que nem querem litigar, mas que são procuradas por advogados que afirmam existir direitos, e que cobram, de cada uma, determinada quantia para dar início ao litígio, recebendo, ao final, um bom dinheiro. Essa prática no Brasil precisa ser combatida, visto que, além de não envolver interesse legítimo, sobrecarrega os tribunais, atendendo unicamente ao interesse do advogado, que alimenta essa “indústria”.

Justiç@: Sobre a multa para litigância de má-fé, como o STJ está tratando essa questão?

Ministro João Otávio de Noronha: Segundo a legislação, é a parte que deve pagar a multa. Em relação ao advogado, informa-se à OAB para que avalie se ele agiu ou não ferindo a ética profissional. É uma questão muito delicada, porque, quando o advogado é considerado destinatário da multa, corre-se o risco de ferir a atuação independente do profissional. É preferível sofrer o revés, ou seja, o Judiciário receber quantias elevadas de processos, a o advogado ver cerceado o seu exercício do Direito. Não se pode condenar quem não é parte no processo; a sanção do advogado há de incidir no campo ético.

Justiç@: Caso o novo Código de Processo Penal seja aprovado, o que o senhor acha da proposta de o réu fazer acordo com a Justiça para aceitar a pena mínima prevista para o crime cometido?

Ministro João Otávio de Noronha: Esse não é entendimento corrente no Judiciário brasileiro. O fato é que o réu, para chegar à pena mínima, vai precisar negociar não só com o juiz, mas também com o Ministério Público, que precisa concordar. Isso pode ser um instrumento de incertezas sobre negociações paralelas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a polícia pode não instaurar um processo se concluir que não há conveniência de investigar; nem juiz nem promotor podem obrigá-la a fazer isso. Mas, no Brasil, a pena é uma imposição do Estado.

Justiç@: O senhor é favorável à expansão da Justiça Federal do 2º grau, seja pela criação de tribunais regionais federais, seja pela ampliação dos atuais tribunais?

Ministro João Otávio de Noronha: Mais de 50% dos processos da 1ª Região estão em Minas Gerais. Sozinha, a seccional mineira recebe maior número de feitos que a 5ª Região. São dados estatísticos. Por isso, sou favorável à criação de um tribunal em Minas Gerais, que, talvez, também possa abarcar o estado do Espírito Santo. Defendo ainda a criação de outro tribunal em São Paulo, no interior. Por ser São Paulo o maior centro industrial e comercial do país, a demanda da Justiça Federal é maior que em outros estados; consequentemente, o tribunal regional é muito congestionado. A instalação de tribunal não deveria levar em conta somente região geográfica, mas principalmente a demanda e o aspecto populacional.

Por que haver um tribunal no Amazonas? Há demanda suficiente? Não, não há. Ir de Belém (PA) a Manaus (AM) ou vice-versa é mais difícil do que viajar de qualquer dessas cidades a Brasília. Um tribunal em Minas, portanto, ajudaria a desafogar a 1ª Região. Desmembrando-se Minas Gerais, ainda sim, a jurisdição do TRF da 1ª Região continuaria enorme, quase a metade do Brasil. No âmbito do Conselho da Justiça Federal, essa questão foi discutida e resolvida em julgamento no qual pedi vista porque pretendia levar o projeto de criação de dois tribunais adiante; todavia, no debate, fui sensibilizado pelos colegas no sentido de que não havia viabilidade política no momento. Então, aderi ao plano de aumento dos tribunais, deixando o tema de criação de cortes para ser apreciado em momento oportuno. Contudo, a Justiça está sobrecarregada, sobretudo a 1ª e a 3ª Regiões. A 1ª Região foi mal dividida, a 5ª deveria ter abrangido mais um estado, e isso, dúvidas não há, precisa ser corrigido.

Justiç@: O que o senhor acha da regionalização da Justiça Federal e da forma como foram alocadas determinadas varas em lugares considerados estratégicos, mas não há qualquer tipo de demanda ou a demanda é pouca?

Ministro João Otávio de Noronha: Primeiro, se não há demanda ou se a demanda é escassa, o local não é estratégico. Segundo, sabe-se que essa divisão teve cunho político. Terceiro, algumas correções estão sendo feitas, isto é, varas que seriam instaladas em Florianópolis serão em Joinvile; outra, do Espírito Santo, foi transferida para São Pedro da Aldeia. Os problemas diagnosticados têm sido resolvidos. No meu entender, a lei só deveria aprovar o número de varas; a alocação deveria ser atribuída à gestão dos tribunais.

Justiç@: O senhor é favorável ao aumento de ministros do STJ, devido à grande demanda no tribunal?

Ministro João Otávio de Noronha: Não. É preciso rever as prerrogativas do STJ. Por que ao STJ cabe julgar governador, desembargador, e ao Supremo, deputado federal? Isso não se justifica em um Estado Democrático de Direito. Defendo a criação de varas especializadas em Brasília, permitindo-se ao jurisdicionado escolher o foro da residência ou Brasília. Não há por que temer a decisão do juiz do primeiro grau, de prisão, por exemplo. Suas determinações, quando o caso exigir, podem ser corrigidas via habeas corpus e recursos competentes. O STJ atua prontamente nos efeitos suspensivos em recursos e em habeas corpus.

É inconcebível que um tribunal superior fique julgando recursos com temas repetitivos. Ora, se a tese já está sedimentada, não pode subir recurso, nem pode o juiz decidir contrariamente, isso custa ao contribuinte. A meu ver, as decisões fundadas em entendimento consolidado devem ter efeito vinculante. A decisão do primeiro grau proferida em conformidade com sólida jurisprudência merece ser incentivada, e não suspensa. Agindo-se assim, está-se contribuindo com a celeridade da Justiça.

Justiç@: O senhor é favorável à súmula vinculante?

Ministro João Otávio de Noronha: Amplamente favorável. Já fui contra quando advogado. Em que sentido a súmula vinculante amarra o juiz do primeiro grau? Nunca se apresentou, quanto a isso, nenhuma resposta plausível. Pode-se alegar que é livre a convicção do magistrado, mas essa convicção diz respeito aos fatos; no que concerne ao direito, deve haver um tribunal superior para dar a última interpretação.

Justiç@: A Justiça Federal do 1º Grau precisa se reportar aos conselhos regionais dos TRFs, ao Conselho da Justiça Federal e ao Conselho Nacional de Justiça. No plano administrativo, nós sofremos ainda a interferência direta do Tribunal de Contas da União (TCU) que cobra posições administrativas contrárias à posição do CJF, contrárias às posições dos tribunais regionais federais. Qual a sua avaliação sobre esse quadro?

Ministro João Otávio de Noronha: Segundo a Constituição Federal, o TCU tem a feição de órgão de fiscalização, e não de gerência. O Judiciário, portanto, não precisa submeter-se ao que não está previsto em lei. Age com improbidade quem se desvia da lei ou deixa de aplicá-la. É inconcebível, pois, que a Justiça se sujeite a um conselho externo que com ela nada tem a ver. O CNJ, por seu turno, é órgão não apenas de controle do Judiciário (de todo o Judiciário), mas também de planejamento, cuja principal função não é punir magistrado, e sim, primordialmente, assegurar a independência da magistratura.

Justiç@: Ministro, como o senhor analisa a correição nos tribunais regionais federais?

Ministro João Otávio de Noronha: Considero salutar e necessária. É preciso avaliar para ter conhecimento do que está caminhando bem e do que não está. A área de tecnologia, por exemplo, está nitidamente desfalcada de servidores. A ideia é desenvolver um trabalho de parceria com o CJF e encaminhar projeto de lei para corrigir essas distorções. A Corregedoria-Geral da Justiça Federal tem-se dedicado, prioritariamente, ao planejamento e organização. O foco não é punição, é educação, pois há, no máximo, 3% de juízes com problemas. No momento, cada escola da magistratura federal funciona de um jeito; a pretensão é oferecer um planejamento unificado, e isso são os próprios magistrados que irão fazer. Como corregedor, apenas vou pôr o assunto em discussão e arbitrar quando houver empate. Nas ações empreendidas em minha gestão, de um lado, deparei-me com presidência, corregedoria e gabinetes organizadíssimos; de outro, vi gabinetes com acervo de 30 mil processos, que podem chegar a 50 mil se não houver um plano de ação. Entendo que esse juiz, antes de ser censurado, de ser punido, precisa de assessoria, de consultoria. É, portanto, com esta finalidade que os trabalhos de correição estão sendo desenvolvidos nos tribunais: melhorar as condições da Justiça Federal.

Fonte: Revista Eletrônica da Seção Judiciária do Distrito Federal

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