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Princípios norteadores dos juizados são avaliados em pesquisa do Ipea

publicado 20/09/2012 16h00, última modificação 11/06/2015 17h04

Simplicidade, informalidade, oralidade e economia processual. Estes foram os princípios básicos que nortearam o projeto dos juizados especiais, concebidos para julgar de forma rápida e desburocratizada causas judiciais de pequeno valor ou de baixa complexidade. A aplicabilidade desses princípios no dia a dia dos juizados especiais federais foi um dos aspectos investigados na pesquisa “Acesso à Justiça Federal: 10 anos dos juizados especiais federais”, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a pedido do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF). O tema foi objeto de palestra da bolsista doutora do Ipea, Rebeca Igreja, no Seminário sobre os 10 anos dos JEFs, em 13 de setembro, realizado pelo CEJ/CJF na Seção Judiciária do Paraná, em Curitiba, com o objetivo de apresentar os resultados da pesquisa.

Os princípios norteadores dos juizados trazem à tona o tema da conciliação, já que a realização de acordos verbais entre as partes em conflito, que pode acontecer até mesmo antes do processamento da ação judicial, é uma prática estimulada na legislação que rege os juizados. A pesquisa, contudo, verificou que não há nos JEFs uma definição muito clara de conciliação, nem uma prática consolidada ou sistematizada em torno da ideia. Uma das constatações é a de que muitos juizados adjuntos, que funcionam na mesma vara onde também tramitam processos sob o rito comum, não realizam conciliação. Segundo Rebeca Igreja, existem nos JEFs diferentes concepções de conciliação, sendo que alguns priorizam a realização de conciliações prévias – antes mesmo do processamento da ação e outros as audiências de conciliação.

O percentual de sentenças homologatórias de acordo nos JEFs é de apenas 14,9%, e os acordos, em média, chegam a 76,4% do valor devido na demanda original. “Em alguns casos, esse valor chegou a 50%”, revelou Rebeca. A pesquisa mostra que as audiências de conciliação são conduzidas pelos juízes em 39,8% dos casos, por conciliadores ou juízes leigos em 36,2%, e por servidores do próprio juizado em 24%. Os conciliadores, em geral, conforme avaliou a pesquisa, não são adequadamente preparados para a sua função, já que 49,5% deles não frequentaram nenhum curso de capacitação em técnicas de conciliação. Enquanto há juízes com um perfil mais “mediador” nas audiências, em outros casos, os pesquisadores encontraram situações nas quais o procurador negocia separadamente com a parte, restringindo-se o juiz a perguntar se houve acordo ou não. “Nestes casos o juiz interfere muito pouco nesse espaço de diálogo. É importante discutir qual o papel do juiz na audiência de conciliação”, opina Rebeca.

Uma característica dos juizados federais que dificulta a prática da conciliação é que necessariamente uma das partes em conflito é um órgão público federal, já que, como unidades da Justiça Federal, os JEFs são competentes para julgar ações que envolvam a União, as autarquias e as fundações federais. Com relação aos dois réus mais recorrentes nos JEFs, em primeiro lugar o INSS (que responde por 73% das ações) e em segundo a Caixa Econômica Federal (com 15%), a pesquisa constatou uma grande diferença entre as políticas de conciliação adotadas pela Caixa e pelo instituto. Este último, de acordo com o estudo, não estimula os acordos. “Os procuradores do INSS só oferecem acordo quando percebem que vão perder a causa”, assinala Rebeca.

O princípio da simplicidade, segundo apuraram os pesquisadores, não tem sido muito observado nas sentenças dos juízes que atuam nos JEFs. “As sentenças poderiam ser mais claras, menos formais. O que deve acontecer no juizado é um espaço de consenso, de mediação, mais do que um espaço onde se vai mostrar conhecimento jurídico”, afirmou Rebeca Igreja. Ela acrescentou, no entanto, que muitos servidores entrevistados pelo Ipea disseram que há matérias e atos de maior complexidade, em relação aos quais o princípio da simplicidade fica difícil de ser aplicado.  Sobre a informalidade e a economia processual, a pesquisa identificou que ainda há, nos juizados, excessiva certificação de atos processuais e sistemas informatizados pautados na lógica ordinária, ou seja, uma “ordinarização do rito”.

As audiências de instrução e julgamento, de acordo com o estudo, tem um tempo médio de duração de 30 minutos, e a maior parte delas é realizada para ouvir testemunhas em casos de comprovação da qualidade de segurado especial (casos de aposentadoria rural) e de união estável. Embora o princípio da oralidade autorize o juiz a decidir oralmente nas audiências, a pesquisa concluiu que são raros os casos de prolação de sentença nessas circunstâncias.

“O tema da atermação é bastante polêmico, não encontramos espaço de reflexão sobre ele”, alerta Rebeca. A pesquisadora se refere à possibilidade de que o autor da ação no juizado, se não estiver representado por advogado, apresentar o seu pedido oralmente. Neste caso, o juizado deve estar preparado para reduzir esse pedido “a termo”, ou seja, redigir a petição inicial desse autor. Não obstante, 27% dos juizados adjuntos (que funcionam concomitantes a uma vara federal comum), segundo revelou a pesquisa, não possuem espaço para a realização desse tipo de atendimento. O teor dessas petições, segundo os pesquisadores, também pode variar muito conforme a pessoa que as elabore. Esses documentos, em alguns casos, são redigidos por servidores da própria vara ou do Fórum federal, e em outros por núcleos de assistência jurídica (muitas vezes formados por estudantes de Direito).

Outro questionamento levantado por Rebeca foi a fronteira entre a mera “redução do pedido do autor a termo” e a prestação de assistência jurídica. Alguns atendentes, segundo ela relatou, apenas reduzem os pedidos a termo, enquanto outros prestam assistência ao usuário, ou seja, lhes fornecem orientações jurídicas adicionais. “Isto muitas vezes gera uma reação dos usuários de mitificação do atermador”, pontua Rebeca. Ela chamou a atenção ainda para a figura dos “intermediários na atermação”, encontrados em alguns juizados – pessoas que aliciam outras a levar suas causas ao juizado, cobram por isso, mas que não são advogados.