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Advogado Paulo Roque fala sobre a influência da mídia no Judiciário em entrevista ao CJF

publicado 01/07/2013 15h15, última modificação 11/06/2015 17h04

O advogado e sócio fundador da Roque Khouri e Advogados Associados S/C foi um dos palestrantes do Painel I – Casos Judiciais de Grande Repercussão e Influência da Mídia e da Opinião Pública nos Julgamentos – do Seminário Transparência na Justiça Federal: alcance e limites, promovido pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF), no dia 20 de junho último, no auditório do CJF, em Brasília (DF). Em entrevista à Assessoria de Comunicação Social do CJF, Paulo Roque Khouri fala sobre o tema de sua palestra, ressaltando os pontos positivos e negativos da aproximação entre a Imprensa e o Poder Judiciário, a liberdade de imprensa e a independência do juiz. 

CJF - Parece inegável que o Judiciário está na pauta do dia e que essa presença constante leva a uma aproximação com os meios de comunicação. Quais seriam, na sua opinião, os pontos positivos e negativos dessa aproximação?

Paulo Roque Khouri - O ponto positivo é sem dúvida a transparência. Neste aspecto, o Brasil hoje é exemplo para o mundo. Seja através da internet, das assessorias de imprensa dos tribunais, da própria TV Justiça, hoje há uma maximização do principio da publicidade do processo, que não diz respeito apenas às partes, mas a toda a sociedade. 

Como ponto negativo,  alguns estudiosos apontam para uma crescente influência da mídia nas decisões judiciais, pressionando o juiz ou tribunal a julgar em determinado sentido.  Toda notícia divulgada sobre qualquer fato ajuda a formar a opinião das pessoas sobre determinado assunto; seja este assunto objeto ou não de qualquer julgamento do Judiciário. Isso é assim em todo o mundo, onde a imprensa é livre, e não deveria ser diferente  aqui. É  bom dizer que essa influência não vem só da mídia, vem do próprio contexto em que o julgador vive:a família, o filho, os amigos, os clubes, ideologias, mídias sociais e tantos outros fatores. O julgador vai ter sempre de conviver com tais "influências". Para enfrentá-las, ele precisa das ferramentas importantíssimas que  o Estado democrático instalado no Brasil após a Constituição de 88 deu ao julgador, sobretudo do respeito ao seu livre convencimento, da independência dos seus próprios pares etc, para conviver com toda sorte de influências.  

Outro fator extremamente negativo é a grande exposição do cidadão, da sua família, quando, sequer, existe contra ele uma única denúncia, apenas uma investigação preliminar ou um inquérito. Ele pode ao final de tudo sequer ser denunciado ou, mesmo se denunciado,  pode ser absolvido, mas já teve sua honra e sua imagem seriamente comprometida....É preciso criar ferramentas para proteger mais a pessoa nessas situações, pois assim estaremos também protegendo mais a própria independência do Poder Judiciário.

CJF - Por que a mídia erra tanto quando se trata de noticiar decisões judiciais?

PRK - É preciso que a mídia invista mais na formação do setorista, que é aquele que cobre os tribunais. Ele precisaria ter uma visão mais adequada das questões eminentemente técnicas que envolvem os julgamentos para traduzir isso melhor para o público. Daí aparecem erros gritantes nos julgamentos, como referir-se a uma sentença como "parecer", ter dificuldades em distinguir um simples recurso de agravo de uma apelação; decisão liminar da de mérito e assim por diante. Seria bom que os próprios tribunais promovessem mais esses cursos. Toda a sociedade sairia ganhando com isso.

CJF - Qual a diferença entre interesse público e curiosidade pública?

PRK - A liberdade de expressão e informação deve ser sempre fortemente protegida   quando o assunto veiculado for de interesse público, e deve ser tratado como mera curiosidade pública  tudo aquilo que, sem qualquer interesse geral legítimo,  referir-se exclusivamente a intimidade e privacidade das pessoas .  É celebre o caso da princesa Caroline de Mônaco,   que  depois de recorrer sem sucesso à Justiça alemã para pedir proteção contra a divulgação de fotos pessoais suas em momentos de privacidade, levou o caso ao Tribunal de Direitos Humanos da Europa.

A decisão da Corte Europeia foi a favor da proteção do direito à privacidade da princesa, porque a divulgação daqueles fatos e imagens específicos nada tinham de interesse público, mas sim de curiosidade pública e o Estado alemão tinha o dever de proteger os direitos da personalidade dos  particulares . O Tribunal Europeu enfatizou que as fotos tiradas não trazem contribuição para debate de interesse público e existia apenas o interesse comercial das revistas em publicar tais fotos e vender mais jornais.

Isso pertence a própria pessoa, ao seu direito sagrado de personalidade e ninguém tem o direito de se apropriar de bens sagrados como esses.Não se pode  invadir a privacidade das pessoas divulgando  fatos que envolvem exclusivamente a intimidade , a imagem e a honra das pessoas. Não há nisso, em principio, nenhum interesse publico. 

CJF - Qual o papel e os limites da imprensa e dos entes públicos, como polícia e Ministério Público, na divulgação das notícias que tratam de assuntos do Judiciário?

PRK - Como diz o Conselho de Imprensa da Austrália, a liberdade de imprensa é importante mais por causa das obrigações que implica em favor do público do que por causa dos direitos que atribui à imprensa. Liberdade não significa abuso. É direito dos leitores de jornais e dos telespectadores de telejornais que as notícias e comentários lhes sejam apresentados de maneira honesta e imparcial,  e respeitando a privacidade e o sentimento das pessoas. O meio de comunicação  tem obrigação de tomar todas as providências razoáveis para assegurar a veracidade de suas afirmações.

A partir do momento que um fato tem interesse público, a imprensa não pode ser impedida de divulgá-lo. Agora, antes ela tem de checar bem, se houver pessoas envolvidas no fato, ouvi-las. Assim a imprensa estará cumprindo com o seu dever de imparcialidade.  A partir do momento que um fato tem interesse público, a imprensa não pode ser impedida de divulgá-lo. Quando ela desrespeita o limite do fato, da imparcialidade, da divulgação objetiva da notícia, ela deve se antecipar ao cidadão e dizer que errou, abrir espaço para a outra versão. 

CJF - Na sua opinião, haveria um marco a partir do qual teve início o que o Sr. chama de desrespeito ao direito de personalidade? Qual seria esse marco?

PRK - O grande problema, na minha opinião, neste domínio, nasce com o inquérito policial. Muitas vezes, a própria policia apresenta à imprensa os nomes e imagens de pessoas , que sequer foram indiciadas ou serão no futuro denunciadas. A partir de então, é como se essa pessoa que, sequer foi ainda acusada formalmente pelo Estado, tivesse de abrir mão da sua privacidade, da sua honra e intimidade. No célebre caso da Escola Base, foi a própria polícia que convocou a imprensa para anunciar que tinha acabado de desvendar um terrível crime sexual contra as crianças; deu não só  o nome dos diretores da escola,  que amanheceu apedrejada, mas inúmeros outros detalhes da vida dos acusados. Como todos sabem, sequer houve uma denúncia neste caso, mas dada a grande exposição na mídia, via polícia, dos nomes dos diretores, de suas imagens, tiveram de fechar a escola e mudar de cidade. 

A pessoa é o centro e a razão do próprio Estado. Neste sentido, toda preocupação deve-se voltar para a proteção da pessoa, do seu direito de personalidade, quando por algum motivo, a imprensa tiver que divulgar fatos, sobretudo, envolvendo a suposta prática de crimes. E aqui o Estado, através de suas polícias, do próprio Ministério Público pode ajudar muito a proteger esses direitos. Veja que nem todas as pessoas que são presas e tem seus nomes e imagens divulgadas nas grandes operações policiais são denunciadas. Temos de evoluir muito nesta matéria, mas entendo que, como ocorre na Suécia, a publicação dos nomes e imagens de pessoas investigadas só deveriam ser divulgados quando essas pessoas fossem acusadas formalmente pelo Estado. Até este momento, a  divulgação dos nomes e imagens dos eventuais investigados atende mais à curiosidade pública que ao interesse público. Tal não implica que não possa e deve haver ampla divulgação dos fatos, mas sem a indicação dos nomes e imagens das pessoas que ainda estão sendo meramente investigadas. Em um Estado democrático, todo cidadão pode ser a qualquer tempo investigado e deve colaborar neste sentido, mas tal não implica que será ou indiciado ou denunciado.

CJF - O Sr. falou em auto-regulamentação da imprensa. Como seria isso? Em que países isso já funciona?

PRK - Sou da opinião de que a mídia deve seguir os exemplos de outros países e se auto-regulamentar urgentemente, como forma de respeitar e proteger melhor o público. Os melhores exemplos de auto-regulamentação vêm da Suécia, Inglaterra, Chile,  Austrália e Canadá.  O mais antigo exemplo para todo o mundo é o da Suécia, que vai completar em 2016 cem anos de funcionamento. Na auto-regulamentação, é o próprio setor que se reúne e auto impōe os seus limites, definindo os critérios para identificar os abusos no  exercício da liberdade de imprensa e punir os responsáveis. Na Suécia, a regra que impede a divulgação de nomes e imagens de meros suspeitos sem acusação formal ainda do estado contra eles não decorre de lei, mas da própria autoregulamentação, sem qualquer influência do Estado.  Acho perigoso que uma regulamentação da mídia seja feita por leis....é que sempre houve muita tensão entre a imprensa livre e governos, ávidos por maior controle. Geralmente, os governos se esquecem de falar em regulamentação, quando a imprensa lhes é condescendente em elogios e falam sempre em controle, quando a imprensa lhes é mais crítica. A imprensa livre é patrimônio da sociedade, não de governos. 

Paulo Roque Khouri é graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), graduado em Direito pela Faculdade de Direito do Uniceub, pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, pós-graduado em Direito do Consumo pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, especialista em Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas,  mestre em Direito Privado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Atua como Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Privado do Instituto Brasiliense de Direito Público e como Colunista da Rádio CBN. Autor dos livros A Revisão Judicial dos Contratos no Novo Código Civil, Código do Consumidor e Lei nº 8.666/93: a Onerosidade Excessiva Superveniente e Direito do Consumidor: Contratos, Responsabilidade Civil e Defesa do Consumidor em Juízo. Paulo Roque também foi um dos coordenadores científicos das Jornadas de Direito Civil, promovidas pelo CEJ/CJF.