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Magistrados, advogados e jornalistas debatem influência da mídia e da opinião pública sobre o Poder Judiciário

publicado 24/06/2013 18h30, última modificação 11/06/2015 17h04

A influência da mídia e da opinião pública no julgamento dos casos de grande repercussão foi a tônica do primeiro painel do Seminário sobre Transparência na Justiça Federal: alcance e limites, realizado na última quinta-feira, 20 de junho, na sede do Conselho da Justiça Federal (CJF), em Brasília. O tema reuniu como painelistas: o ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o juiz federal Artur César de Souza, da Seção Judiciária do Paraná, a Advogada da União e jornalista, Priscila Leal Seifert e o também advogado e jornalista, Paulo Roque Khoury. A mediação ficou a cargo do ministro Og Fernandes, também do STJ, que apresentou os painelistas e declarou estar ali principalmente para aprender. “É com o prazer de aprendiz da compreensão da alma humana que apresento este painel”, declarou o ministro.


“Pobre do país em que o juiz fica refém da mídia” – essa declaração do ministro João Otávio de Noronha traduz a essência de sua palestra (acesse aqui a íntegra da palestra). Na ocasião, ele demonstrou sua preocupação com a comoção gerada por determinados crimes, em especial aqueles de difícil solução e de grande repercussão social, incessantemente propagados pelos meios de comunicação. Segundo ele, esses casos geram na opinião pública clamores punitivos que se pretendem imediatos e taxativos. “Isto acontece, muitas vezes, antes mesmo que as investigações sejam concluídas. Assim, muitos casos chegam a nós, julgadores, com uma convicção punitiva já formada pela opinião pública”, adianta.

A questão posta para reflexão, segundo ele, é o que pode ser feito em relação a essa pressão? “Calar a voz da imprensa não parece, definitivamente, ser uma boa opção. Isolar os juízes da sociedade, voltando a trancafiá-los em suas antigas ‘torres de marfim’, sob a ilusória pretensão de ser possível ‘imunizá-los’ contra essa influência, da mesma forma, não se traduz em uma alternativa sensata”, questionou o ministro.

Em suas reflexões, Noronha contrapôs o direito fundamental à liberdade de imprensa, “sem o qual a nossa democracia não se sustenta”, ao direito à privacidade e à dignidade humana. “Como magistrado, sei o quanto é difícil formar um convencimento imparcial dos fatos diante desse cenário. Como todos os meus colegas de profissão, sinto sobre os meus ombros, frequentemente, o peso da opinião pública. Mas sei que esse é o preço, muito salutar, das democracias amadurecidas”.

A conclusão do ministro é que se trata de um caminho sem volta. “Não podemos pensar em retroceder, nem tampouco restringir os direitos fundamentais historicamente conquistados pela nossa Nação. O caminho mais sensato é, portanto, acreditar na transparência e explorar o que ela tem de bom. Que a transparência nos permita fazer circular a informação correta, a visão mais acurada e responsável dos fatos. Estou convencido que a divulgação mais ampla e qualificada das decisões do Poder Judiciário provoca um efeito de ‘esvaziamento’ do sensacionalismo jornalístico”, acredita.

“Se temos um caso de grande repercussão em nossas mãos, deixemos disponíveis à imprensa e ao público em geral todas as informações que for possível divulgar, observados, obviamente, os ditames legais relativos ao sigilo e ao segredo de justiça. Saibamos explorar os préstimos de nossas assessorias de imprensa, dotando-as do melhor instrumental possível para que possam atender a contento as demandas dos meios de comunicação e divulgar informações qualificadas e atualizadas sobre o caso. Tenho certeza que, conhecendo cada vez mais o Poder Judiciário, como aconteceu, por exemplo, no emblemático caso do “Mensalão”, a imprensa brasileira vai evoluir no seu discurso, ajudando-nos a formar um juízo sensato sobre os acontecimentos”, concluiu Noronha.

Mensalão

O caso do “Mensalão”, mencionado pelo ministro Noronha, foi o tema principal da palestra da advogada e jornalista Priscila Leal Seifert (acesse aqui o slide da palestra e aqui a íntegra da palestra). Ela apresentou um balanço de sua tese de doutorado na qual fez uma análise da relação entre imprensa e Judiciário na cobertura jornalística do julgamento dos “mensaleiros”. A ideia foi entender até que ponto o aumento da demanda por transparência vem alterando a relação inicialmente tão distanciada entre essas instituições.

Na opinião de Priscila, o Judiciário está na pauta do dia e essa presença constante está levando a uma aproximação com os meios de comunicação, desafiando os jornalistas a desbravarem a seara do Judiciário, que, por sua vez, vê na mídia um meio de alcançar a transparência graças à publicidade e à credibilidade proporcionadas pelo jornalismo. Para a painelista, essa é a tendência natural, a partir do momento em que o juiz vai percebendo que não deve ter medo de externar seu entendimento, desde que bem embasado, mesmo que a sua visão destoe da opinião pública.

Segundo ela, a ampla cobertura do caso incrementou o acesso à informação jurídica. “A imprensa se preocupou de maneira especial em entender tudo o que estava ocorrendo e transmitir corretamente a informação. A cobertura foi extremamente didática ao apresentar a sala de audiência do Supremo, a dinâmica do julgamento e os próprios integrantes da corte. Isso esvaziou o sensacionalismo jurídico”, opinou.

Para ela, o próprio Poder Judiciário acabou sendo julgado. “Essa é a grande ironia: o ‘Mensalão’ se tornou um sucesso, não apenas pelo senso de justiça que despertou em relação aos réus, mas também porque enquanto o Judiciário, poder oficial, julgava os ‘mensaleiros’, o público, através da Imprensa, poder oficioso, julgava o Judiciário. Sob essa perspectiva, o Judiciário também estava no banco dos réus”.

 No entender da pesquisadora, o resultado foi positivo. “A opinião pública absolveu o Judiciário, não apenas porque os acusados foram condenados, mas porque os magistrados se posicionaram de forma destemida diante da presença da mídia, se mostrando abertos ao diálogo diante da proximidade com a opinião pública”, completou.
 
Em suas conclusões, Priscila destacou que o amadurecimento das instituições democráticas pressupõe um entrelaçamento múltiplo e recíproco, no qual a comunicação ocupa uma posição central. “A opinião pública, por si só, não deve ser considerada uma interferência maléfica no processo decisório. A publicidade das decisões judiciais confere credibilidade ao Poder Judiciário e consolida sua independência. Especificamente no caso do Mensalão, O Supremo se materializou no imaginário brasileiro. A Justiça ganhou força e vigor humanos”, concluiu a estudiosa.  

Independência

A independência do juiz foi a espinha dorsal da exposição do advogado e jornalista Paulo Roque Khoury, uma vez que, segundo ele, o Poder Judiciário tem que aprender a conviver com a transparência porque não há como evitá-la. “O problema crucial é garantir ao juiz a independência, que não é do magistrado, é da sociedade. Uma independência que vai facilitar a convivência do magistrado com as pressões e, ao mesmo tempo, proteger o cidadão — vítima maior de um julgamento precipitado, e que sequer foi denunciado, mas que acaba sendo exposto e ‘condenado’ pela mídia”.

Para Khoury, a distorções acontecem, principalmente, porque a mídia precisa publicar os fatos com rapidez, não pode esperar. “O julgamento da mídia vem com emoção, com pressa, e em nada tem a ver com o julgamento feito pelo Judiciário, que deve, necessariamente, ser eficiente”, afirmou.

Um grande problema, segundo ele, é a não diferenciação entre interesse público e curiosidade pública. “Saber que aconteceu um crime e que o Estado está agindo em resposta a esse crime é de interesse público, mas saber quem é o suspeito, vê-lo estampado nas páginas dos jornais ou nas manchetes televisivas já entra na esfera da curiosidade pública”, esclareceu.

Para ele, os meios de comunicação de massa não podem se furtar à auto-regulamentação. “Na Suécia, a imprensa é autorregulamentada desde 1916. Lá o nome e a imagem de um acusado só podem ser divulgados depois que o cidadão é formalmente acusado”, destacou. E concluiu: “Não é passando por cima do direito à personalidade que se vai construir uma democracia”.

Linguagem

Em sua palestra, o juiz federal Artur César de Souza destacou a importância da linguagem enquanto instrumento de construção social da realidade por parte dos meios de comunicação de massa. “A questão é que a linguagem não tem por único fim simplesmente a comunicação de ideias, afinal não é um elemento neutro: desperta paixões, evita ações e etiqueta fenômenos, devendo ser analisada em seu aspecto social”, afirmou.

Ele explicou que os meios de comunicação de massa se comunicam por meio de um código binário próprio: informar e não informar. Em contraponto com a Ciência, que usa outro código: verdade e falsidade. “A preocupação da imprensa não é mostrar a verdade, mas informar aquilo que acredita ser relevante, ser notícia. É importante a verdade da notícia, mas não é isso que move a informação na mídia, assim como no Direito também não é. A verdade e a falsidade são importantes numa decisão judicial, mas não é isso que vale. Vale o que é lícito ou ilícito, justo ou injusto”, exemplificou.

Segundo ele, o desafio é neutralizar os efeitos malignos do etiquetamento promovido pelos meios de comunicação de massa, principalmente sobre os magistrados. “Os mass media desencadeiam na opinião pública a necessidade de se posicionar, devido ao etiquetamento criminológico – que é uma tendência. O problema é quando essa tendência atinge e influencia quem interpreta e aplica a norma jurídica, em outras palavras, os membros do Judiciário”, alertou ele.

A proposta do juiz federal é dividir a responsabilidade com a sociedade, utilizando um mecanismo observado por ele no sistema judiciário italiano. “Funcionaria assim: por exemplo, se chega a um órgão de imprensa uma determinada prova que deveria estar protegida pelo segredo de Justiça, não há como censurar sua publicação, uma vez que é legítimo o direto à informação e à liberdade de expressão. Contudo, essa prova não pode mais valer para levar o réu à condenação”, explica.

Na opinião do painelista, dessa forma, parte da responsabilidade fica com a imprensa e o foco não fica só em cima do Judiciário. “A partir do momento em que se divulga uma prova que deveria estar só no processo, se desencadeia na população um julgamento paralelo que poderá afetar o outro julgamento, fora do plano midiático. Então como não podemos criar uma lei que restrinja a publicação, dividimos a responsabilidade”.

Exemplo de “etiquetamento”

Quem se lembra da mãe que ficou nacionalmente conhecida como "monstro da mamadeira"?, indagou Artur César de Souza.  Trata-se do caso de Daniele Toledo do Prado, de 21 anos à época, mãe solteira e de poucos recursos, acusada pela polícia de haver assassinado a própria filha, Vitória, de um ano de três meses, com cocaína adicionada à mamadeira.

Ele lembra que Daniele foi presa em flagrante e todos os veículos de imprensa se esmeraram em realizar o seu linchamento moral. Na cadeia, as  detentas realizaram o seu "justiçamento": Daniele foi barbaramente agredida por 19 detentas, ela teve fratura na clavícula e perda parcial da visão e audição do lado direito, decorrente dos espancamentos sucessivos desferidos pelas outras detentas nos 37 dias em que ficou sob custódia.

Passado todo esse tempo e martírio, Daniele Toledo do Prado foi libertada: a perícia comprovou que não havia cocaína na mamadeira do bebê e que ele não havia falecido em decorrência da ingestão de drogas. 

Para o magistrado, é uma questão de se colocar no lugar do outro. “Será que a sociedade quer saber da notícia com antecedência, mesmo pondo em risco o devido processo legal ou ela prefere aguardar o momento apropriado e garantir um processo justo? A verdade é que somos afetos à divulgação quando não somos nós os réus do processo. A pessoa que teve a infelicidade de ter seu fenômeno criminológico etiquetado pela mídia provavelmente prefere aguardar”, concluiu o juiz.