Você está aqui: Página Inicial > Notícias > 2013 > Junho > Ministro Noronha e juíza de ligação da França discutem modelo de gestão de bens apreendidos

Ministro Noronha e juíza de ligação da França discutem modelo de gestão de bens apreendidos

publicado 25/06/2013 11h45, última modificação 11/06/2015 17h04

A juíza de ligação da França para o Brasil, Bolívia e Venezuela, Carla Deveille-Fontinha, proferiu nesta segunda-feira (24) palestra sobre o funcionamento da Agência de Administração e Recuperação de Bens Apreendidos e Confiscados (AGRASC) na França, durante o Encontro dos Juízes Federais das Varas Especializadas no Julgamento dos Crimes de Lavagem de Dinheiro e Contra o Sistema Financeiro Nacional. A palestra teve como presidente de mesa o Ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça. O evento foi promovido pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF), no auditório do CJF.

“Este Encontro vai ganhando corpo e prestígio dentro do CJF. Nós, gestores da Justiça Federal, sentimos necessidade de prestigiá-lo e de fortalecer a troca de experiências”, disse o ministro, ao apresentar a palestrante e agradecer a presença da magistrada que, segundo ele, é a responsável pela facilitação da cooperação entre França e Brasil.

Carla Fontinha relata que em 2004 a França criou unidades judiciais especializadas na área da criminalidade organizada e complexa – incluindo a análise de crimes de tráfico de drogas, de pessoas, lavagem de dinheiro e corrupção. Os juízes, nessas unidades, não trabalham isolados, mas em parceria com o Ministério Público. “Este tipo de organização tem dado bons resultados. Para a luta contra a criminalidade organizada, é preciso que a Justiça esteja organizada também”, relata a magistrada.

A mesma lei que criou essas unidades especializadas, segundo Carla Fontinha, criou a Agência de Recuperação de Bens Apreendidos (AGRASC) e também uma plataforma de identificação de bens suspeitos, formada por policiais preparados para essa tarefa e por agentes da Receita Federal francesa. “Graças a essa cooperação, o rendimento na esfera judicial tem sido muito bom”, comemora.

A AGRASC, segundo ela, começou a funcionar em janeiro de 2011 e tem facilitado a apreensão e o confisco de bens na área penal. As penas de prisão elevadas, na sua opinião, são menos importantes que atacar os criminosos “no bolso”. Tirar do juiz a responsabilidade de ter que administrar os bens apreendidos, já que ele não tem conhecimento específico de como fazer isso e nem tempo disponível, para ela, é uma grande ajuda na repressão eficaz desses crimes. “Muitas vezes o juiz francês acabava não confiscando o bem, porque achava que ia perder seu tempo e o bem ia deteriorar. Muitos bens não eram apreendidos por conta disso”, conta ela.

Carla Fontinha conta que  hoje a agência já funciona com um orçamento equilibrado e credor, ou seja, é autônoma do ponto de vista financeiro. Uma de suas maiores fontes de recursos são os juros auferidos dos valores confiscados e depositados em juízo. Ela informa que em 2012 os bens móveis e imóveis confiados à agência totalizavam um montante de 812 milhões de euros, sendo que a venda de parte desses bens resultou na arrecadação de mais de um milhão de euros. Parte desses recursos, segundo ela, é convertida a um fundo interministerial de combate às drogas. Outra parte é convertida em benefícios ao Orçamento Geral do Estado, para aprimorar o funcionamento da Justiça – em 2012 foram destinados 320 mil euros a esta finalidade.

A lei que criou a AGRASC, de acordo com Carla Fontinha, também permitiu a alienação de bens móveis confiscados antes mesmo do julgamento do processo. Ela enfatiza, contudo, que, caso o bem seja vendido e o seu proprietário, ao final do processo, for considerado inocente, receberá de volta o valor do bem. A agência também prioriza, segundo ela, o reembolso aos credores dos valores apreendidos e a indenização às vítimas dos crimes.

Outra importante atuação da AGRASC, no entendimento da magistrada, é o auxílio à cooperação judicial internacional, no caso de bens confiscados no exterior. Ela ressalta, neste sentido, a importância da cooperação judicial, não apenas para o confisco de bens, mas também para a extradição dos criminosos. “Se não houver cooperação, não há extradição e, portanto, não há julgamento. Sou a prova viva de que a cooperação entre o Brasil e a França funciona muito bem. É mais fácil trabalhar juntos quando existe confiança”, finaliza a magistrada.

Agência no Brasil

O ministro João Otávio de Noronha relatou que, no ano passado, quando ainda exercia o cargo de corregedor-geral da Justiça Federal (hoje exercido pelo ministro Arnaldo Esteves Lima), foi à França em missão institucional e visitou a Agência de Bens Apreendidos. “Fiquei surpreso com a praticidade e o pragmatismo com que a agência lida com os bens”, elogiou. Essa iniciativa francesa, na visão do ministro, “é espetacular”. Desde então, ele deu início a discussões para estudar a criação de uma agência nacional de bens apreendidos, nos mesmos moldes da agência francesa, no Brasil.

O problema dos bens apreendidos, segundo o ministro Noronha, não está resolvido no Brasil. “O juiz está com a ‘batata quente’ nas mãos”. Esse encargo, segundo ele, precisa ser retirado do juiz, para que ele possa se dedicar ao julgamento dos casos e ter tempo para isso.  “Precisamos criar rápido essa agência para que o espólio dos bens deixados pelas organizações criminosas, que representa um montante significativo, não se perca”. Na avaliação do ministro, uma agência de bens apreendidos, no Brasil, já começaria com um patrimônio gigantesco, considerando-se a quantidade de bens apreendidos pelos juízes criminais. “Nos crimes de lavagem de dinheiro os valores são muito altos. Estamos falando de milhões de reais”, sublinha.

O ministro relata uma dificuldade enfrentada por ele mesmo, relator no STJ da ação penal relativa ao caso conhecido como “Operação Mãos Limpas”, que resultou na prisão de diversas autoridades do Amapá e no confisco de bens dessas autoridades – automóveis como Ferraris e Maseratis e até mesmo um avião, além de imóveis. Somente um ano após o confisco desses bens, devido aos trâmites legais que precisam ser seguidos, foi possível iniciar o leilão. O avião, segundo o ministro, foi avaliado em apenas R$ 50 mil – o que o fez determinar a reavaliação por um perito. “Se esse avião tivesse sido vendido logo que foi apreendido, valeria em torno de US$ 1 milhão”, afirma.