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Gilmar Mendes: “A Constituição de 1988 permitiu a estabilidade institucional no Brasil”

publicado 09/09/2013 16h35, última modificação 11/06/2015 17h04

A Constituição de 1988 tem permitido uma estabilidade institucional sem precedentes no Brasil. A avaliação é do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, em palestra intitulada “A Constituição de 1988 e o Supremo Tribunal Federal”, proferida no seminário 25 Anos da Constituição Cidadã, na última sexta-feira. O evento foi promovido pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) Conselho da Justiça Federal (CJF),  no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ).  O presidente da mesa foi o ministro José de Castro Meira, do STJ.

Esta Constituição, de acordo com o ministro, é digna de reflexão. O que ela contém de positivo, para ele, é o fato de ter permitido que o Brasil, marcado por uma história de instabilidade institucional, chegasse aos 25 anos da sua Constituição num quadro de absoluta normalidade. O ministro ressalta que, sob a regência republicana, este é o mais longo período de normalidade institucional vivido pelo Brasil. “Poucos diagnosticaram um período tão longo para esta Constituição”, afirma. 

Gilmar Mendes lembra que o momento histórico de promulgação da Constituição de 1988 foi de grande euforia, de vontade de construir uma democracia. Antecedeu-o o movimento das Diretas Já, que levou tantas pessoas às ruas, para que o País se livrasse do “estigma do governo autoritário”. Movimento que permitiu “a complexa engenharia” que levou à eleição de Tancredo Neves no “improvável” Colégio Eleitoral, onde os candidatos comprometeram-se com a convocação de uma Assembleia Constituinte e com a promessa de varrer o chamado “entulho autoritário”. “Houve muito  debate sobre como fazer uma constituinte, um debate difícil de produzir consenso”, observou o ministro. 

O texto que resultou na Constituinte, conforme salientou o ministro, foi aberto, e não um texto técnico, como normalmente acontecia no constitucionalismo brasileiro. “Claro que isso depois prepara uma série de dificuldades e armadilhas. O constituinte percebeu o risco desse texto analítico”, avaliou.

O ministro acentua, ainda, que a Constituição tem passado por testes significativos. “Tivemos que passar por graves crises econômicas nesse período”, lembrou, além de diversos episódios conturbados na política. Um desses episódios, ressaltou, foi o da Comissão de Orçamento – escândalo conhecido como “anões do orçamento”, o que, na avaliação do ministro, afetou o nosso sistema democrático representativo. Outra crise importante citada por ele foi o impeachment presidencial. “Isso tudo dentro dos marcos institucionais. Ninguém cogitou buscar soluções para fora do modelo”, destacou Gilmar Mendes. Isso, segundo ele, demonstra a força normativa que esse documento assumiu na nossa vida institucional.  

A estrutura da Constituição que ele adjetivou como sendo “poliárquica” permitiu, na sua visão, o fortalecimento não só dos tradicionais três poderes, mas a criação e o fortalecimento de novas instituições, como o Ministério Público e a Imprensa. Essa estrutura poliárquica, de acordo com ele, ajuda a explicar o quadro de estabilidade. 

Mas o texto também merece algumas críticas, segundo o ministro.  Uma delas diz respeito ao detalhamento que hoje se vê nas emendas constitucionais. A Emenda Constitucional n. 29, por exemplo, trata do sistema de saúde e tem uma “promessa de lei complementar” ainda não cumprida. Emendas como essa estabelecem, na opinião do ministro, fórmulas que ele chama de “enquanto” - “enquanto não vier a lei”. 

Não obstante os pontos críticos, o ministro assevera que o balanço em relação à Constituição de 1988 é bastante positivo. “É preciso que nós prossigamos no trabalho de reformas”, afirma, apontando a necessidade, por exemplo, de que se realize a reforma política, segundo ele, tão difícil e que exige tanto sacrifício, que acaba sendo postergada. “Nenhum governo coloca a reforma política como sua prioridade e, quando entra em decesso, diz que a culpa é de não ter sido feita a reforma política. Qualquer semelhança com situações do passado não é mera coincidência”, sublinha. 

Ele aponta que o STF tentou dar uma resposta – por muitos criticada – sobre temas da agenda política, como por exemplo a questão da fidelidade partidária, quando disse que era preciso encerrar com aquele quadro que banalizava o troca-troca partidário. O STF, de acordo com ele, decidiu que a infidelidade partidária deveria dar ensejo à perda do mandato no contexto da representação proporcional, e depois na eleição majoritária. “Críticos dizem que o tribunal rompeu com sua própria jurisprudência. Mas não o fez sem motivos plausíveis e sem justificação adequada”, argumentou. 

“É importante que percebamos que o modelo tradicional ortodoxo tem permitido, sim, reformas”, afirmou o  ministro. Ele lembra que a Reforma do Judiciário demandou mais de 10 anos de esforço, persuasão, discussão, mas trouxe resultados importantes, como a súmula vinculante e a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Hoje, a avaliação do CNJ indica itens mais positivos que negativos. É mais um órgão de proteção e defesa do Judiciário do que de castração. Temos todas as condições de realizar reformas como essa”, acentua. 

Para o ministro, um dos grandes ganhos da Constituição de 1988 é a atuação do Judiciário. Dotado de um modelo de atuação aberta, livre, o Judiciário, na visão de Gilmar Mendes, deu vitalidade à Constituição. “Talvez estejamos na liderança da judicialização das questões, mas  este dado não é positivo, porque uma sociedade não se funda no processo de judicialização. Temos algo em torno de 100 milhões de processos em tramitação. Este não é um dado saudável, mostra que talvez estejam faltando outras formas de solução de conflitos. Uma sociedade não se estrutura com base no Judiciário como único meio de solução de conflitos”, analisa Gilmar Mendes. 

Ele acrescenta que em 2001, quando colaborou com a Presidência do STJ na criação dos juizados especiais federais, a expectativa era que nos próximos dez anos esses juizados receberiam 200 mil processos. Mas, para surpresa de todos, assim que foram instalados, os juizados receberam cerca de 2,5 milhões de processos e hoje eles superam as varas federais comuns em termos de quantidade de processos. “Foi o fracasso do sucesso. Isto indica que temos que realizar melhorias significativas no âmbito do serviço público”, reflete o ministro.

A qualidade do serviço público, ressalta o ministro, qualifica as democracias sociais. “Se temos bons serviços públicos, isto faz com que pobres e ricos se pareçam”, afirma. 

Ministro Castro Meira

Nas palavras do ministro Castro Meira, que presidiu a mesa da palestra, o ministro Gilmar Mendes deu inúmeras contribuições aos operadores do Direito brasileiro, por meio de suas lições, de seus livros, e pelo seu próprio exemplo, ao fazer a exegese dos textos constitucionais e ao redigir seus votos, sempre consultados por outros juízes. 

O ministro Castro Meira lembra que, quando exerceu o cargo de advogado-geral da União, Gilmar Mendes foi pioneiro na elaboração das súmulas administrativas e ajudou muito a Justiça Federal, já que essas súmulas impediram que um sem número de causas fosse objeto de recursos. “Ele mostrou respeito pela Justiça Federal”, sublinhou Castro Meira.