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Nada mais democrático que o conflito, avalia professor

publicado 06/09/2013 16h05, última modificação 11/06/2015 17h04

A política do conflito dá vida à ordem democrática, declarou o professor da Universidade de Fortaleza, Martonio Mont'Alverne, sintetizando o tema de sua palestra “Constituição e política”, proferida no  seminário 25 Anos da Constituição Cidadã, nesta quinta-feira (5), no auditório do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O evento é uma promoção do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF). O presidente da mesa foi o desembargador federal Mairan Maia, diretor da Escola da Magistratura da 3ª Região.

O tema central da conferência de Mont’Alverne, segundo ele explica, é a política concebida na sua dimensão concreta, realista, e o retorno da política democrática  à centralidade do Direito Constitucional. “No ano em que festejamos os 500 anos de "O Príncipe" (obra do filósofo italiano Nicolau Maquiavel), provoca-se a discussão sobre a política e seus embates nas sociedades ao longo dos tempos. De como tais embates são, e não como deveriam ser. A perspectiva de Maquiavel é a do conflito, portanto, da democracia, já que nada é mais democrático que o conflito, que a convivência dos opostos”, descreve o professor. 

Mont’Alverne observa que a Constituição de 1988 surgiu em um contexto de redemocratização e também de conflito, na centralidade da política. “A dimensão do conflito foi limitada pelo arcabouço da Constituição, que tem racionalidade para a solução dos seus próprios conflitos”, pontuou. Para ele, não há nada de mais em aceitar a presença da política nos nossos tribunais, por exemplo. “Temos vários órgãos para decidir, e decidir é a tarefa primeira de qualquer constitucionalismo. Decidir, até decidir errado, é melhor do que não decidir”, opinou. O grande desafio do nosso constitucionalismo, na visão do professor, é o de estabelecer onde o Judiciário não deve ir e quem deve dar a última palavra, quem falará e quem não falará. 

O professor avalia, ainda, que o constitucionalismo brasileiro tem como centro uma Constituição “dirigente” – na qual o Estado tem muito poder de intervenção. Mas, segundo ele, o constitucionalismo atual não é o primeiro a estabelecer o protagonismo do Estado no domínio econômico. “O dirigismo constitucional brasileiro não é inusitado, tem raízes na Constituição de 1937”, aponta Mont’Alverne.  Nessa linha, ele lembra que a Era Vargas, marcada por um forte intervencionismo estatal, foi caracterizada pelo fenômeno do populismo, e o golpe de 1964 por muitos é chamado de “interrupção do populismo”. Mas, embora o populismo possua, no âmbito da Ciência Política, uma definição necessariamente negativa, Mont’Alverne acentua que ele não é um fenômeno exclusivo de uma determinada manifestação político-partidária. Ou seja: pode se manifestar em regimes fascistas, comunistas ou nacionalistas. Ele sublinha que foi por meio do populismo que, pela primeira vez, as reivindicações dos pobres entraram na agenda política. 

O professor cita o artigo 219 da atual Constituição - “o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal” - como a espinha dorsal do constitucionalismo dirigente. “Ele diz tudo do nosso dirigismo constitucional: o mercado interno é um patrimônio nacional e será desenvolvido objetivando o avanço científico e tecnológico e o bem estar da nação”, salienta.

Na concepção de Mont’Alverne, o constitucionalismo que se reivindica democrático assume o risco de enfrentar fortes cisões. “Qualquer leitor verá que o imposto sobre grandes fortunas ainda não existe no Brasil por causa do peso político das grandes fortunas”, exemplifica ele. Outro exemplo dado pelo professor é o do monopólio dos meios de comunicação – o Brasil é um dos poucos países a permitir o domínio da mídia por um único grupo. Ele ressalta, aliás, que a formação de monopólios é combatida até mesmo nos países mais liberais. “Este é um problema de disputa, de conflito político-econômico numa sociedade democrática”, afirma.  

Ele conclui asseverando que uma Constituição democrática só tem sentido quando nós a concebemos como conflito e como um documento da política democrática. Segundo Mont’Alverne, depende das pessoas trazerem a política  para seu cotidiano.