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Especialistas em mediação judicial criticam projeto que tramita no Congresso

publicado 21/11/2014 21h40, última modificação 11/06/2015 17h04

“A tardia ressurreição das nossas práticas conciliativas está ameaçada. O marco regulatório da mediação judicial não é esse projeto de lei.” O alerta é da professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Ada Pellegrini Grinover, em duras críticas ao PL 7.169/14, que regula a mediação como meio alternativo de solução de conflitos.

Para a acadêmica, o projeto que tramita na Câmara dos Deputados entra em conflito com as regras inseridas no projeto do novo Código de Processo Civil referentes ao tema, as quais ajudou a elaborar. Uma das reclamações se refere à capacitação dos mediadores – em sua avaliação, insuficiente.

As críticas da professora Ada foram feitas nesta sexta-feira (21), no seminário “Como a mediação e a arbitragem podem ajudar no acesso e na agilização da Justiça?”, realizado no Conselho da Justiça Federal (CJF), em Brasília. Ela defendeu com veemência a não aprovação do projeto de lei. “Se for aprovado, nós estaremos indo para trás, e não para a frente”, sentenciou.

Nova cultura

No painel conduzido pelo ministro Marco Buzzi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a professora Ada Pellegrini discutiu o tema “Aspectos gerais do marco legal” com outro acadêmico da USP, o professor Kazuo Watanabe, também crítico da forma como a mediação vem sendo implementada no Brasil.

“O Judiciário ainda está utilizando a mediação e a conciliação como meio alternativo para reduzir estoque de processos. É preciso adotar uma nova cultura, que encontre meios adequados de solução de conflitos, e não alternativos”, afirmou Watanabe. Para ele, a mediação não deve ter o propósito de desafogar o Judiciário, mas de buscar a pacificação entre os conflitantes, ou seja, mudar a cultura do litígio.

Para os dois acadêmicos, o marco ideal era a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, exemplar na ideia, mas falha na implementação. Os centros de solução de conflitos, segundo eles, nunca saíram do papel em muitos tribunais, e os que foram criados carecem de estrutura básica para funcionar. “Tivemos ideias boas, mas a implementação, pela intervenção política, não vinga”, reclama Watanabe.

Futuras gerações

Apesar do pessimismo com a mediação no Brasil da forma como está sendo feita, Ada Pellegrini diz confiar nas futuras gerações. Destacou o interesse dos estudantes no tema e o intenso trabalho acadêmico desenvolvido nessa área. “Os estudantes estão mudando a mentalidade deles próprios. Quando se tornarem operadores jurídicos, trarão essa nova mentalidade para suas atividades”, disse.

Watanabe concorda: “Vejo um avanço. Na academia temos muitas teses nessa área. Isso revela um certo movimento de mudança. O interesse acadêmico nos dá um conforto.”

Experiência internacional

A discussão sobre o marco regulatório da mediação prosseguiu no painel seguinte, mediado pelo ministro do STJ Mauro Campbell Marques. A experiência internacional na mediação foi apresentada pela advogada Juliana Loss de Andrade, que trabalha com mediação na Europa, onde faz doutorado na Universidade Paris-Sorbonne.

Segundo ela, embora a mediação esteja mais avançada na Europa, com legislação em vigor, muitos países enfrentaram os mesmos entraves presentes no Brasil. Juliana Loss aponta que ter um marco legal é muito positivo e que, quando aprovado, isso vai refletir no maior uso da mediação.

A advogada alerta que é preciso baixar expectativas. Ela não acredita numa mudança imediata e radical, nem em uma significativa diminuição da litigiosidade. Para a especialista, o principal foco no primeiro momento deve ser a melhoria da qualidade da resposta estatal à solução de conflitos, e não a redução do número de processos.

Poder público

No mesmo painel, a advogada Roberta Rangel, mestre em direito tributário, faltou sobre as dificuldades de mediação com o poder público. Diante do dado de que a administração pública é parte em mais de 70% das ações que tramitam na Justiça, a tributarista reclama que muitos conflitos são simples e poderiam ser resolvidos por meio de mediação, ainda em âmbito administrativo.

Segundo ela, porém, uma série de atores e mecanismos, como o Ministério Público e as ações de improbidade, dificultam o diálogo direto entre o poder público e o cidadão. Além disso, ela aponta que os próprios cidadãos resistem à figura do mediador que não seja uma autoridade, um magistrado togado. Mais uma vez, a mudança precisa ser cultural.