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Discussão sobre os efeitos do aprisionamento em penitenciárias federais encerra workshop no CJF

Evento

por publicado: 20/06/2016 15h31 última modificação: 21/06/2016 15h03
Especialistas avaliaram os impactos que o ambiente prisional gera em internos e servidores do sistema penitenciário

No encerramento do VII Workshop sobre o Sistema Penitenciário Federal e Comemoração dos 10 Anos de Implantação do Sistema, magistrados ouviram a apresentação do professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Pedro Paulo Bicalho sobre os efeitos da prisionização nas penitenciárias federais. Doutor em Psicologia, Bicalho iniciou sua carreira como oficial da Polícia Militar no Rio de Janeiro e, após esta experiência, se dedicou a estudar o tema.

“Não há quem não sinta os efeitos da prisionização, seja ele preso ou agente e operador da execução penal. Muitas vezes, o processo é lento, gradual e inconsciente”, é o que afirmou o professor em suas primeiras palavras durante a palestra. O processo de subjetivação do ser humano, ao qual Bicalho se refere, explica o que aqueles que estão em convívio diário e circulam em um ambiente de prisionização sentem. “Os efeitos se dão de acordo com a cultura prisional de cada lugar. O comportamento do apenado diz mais respeito à sua condição de internado do que sobre seu próprio crime. São questões determinantes para se pensar numa política penitenciária”, destaca Bicalho.

Em sua apresentação, o doutor em Psicologia relatou os três grandes elementos que compõem um processo de prisionização. São eles: o espaço físico, os objetivos institucionais e a construção da identidade. Para o professor, os dois últimos trazem um grande paradoxo para quem pensa e trabalha no âmbito jurídico criminal no mundo inteiro. “Como queremos que o nosso sistema seja: prisional ou penitenciário? Um tem como fator determinante a prisão, ordem e disciplina. O outro, a construção de um tratamento penal que recupere o preso”.

O processo de individualização da pena é caro e de difícil implementação. Esse deve transcorrer do momento da inclusão do preso à avaliação das políticas de egressos. Segundo o professor, é um dos principais desafios atualmente do sistema, seja ele federal ou estadual. “Ao mesmo tempo em que o sistema precisa disciplinar, assegurar a ordem e segurança, ele deve estar ligado à construção de uma individualidade penal, de tratamento. Homogeneizar a disciplina e singularizar a assistência”.

Como presidente da mesa, a coordenadora-geral de Assistência Penitenciária do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Jocemara Rodrigues da Silva, destacou a importância de se discutir essas questões pertinentes aos fenômenos ocorridos dentro do sistema prisional federal. “Os impactos que o ambiente hostil de uma prisão gera para quem sente o enclausuramento são determinantes para uma boa atuação dos agentes penitenciários e servidores e para a consolidação do nosso trabalho”, ressaltou ela.

Os efeitos

Alterações no sono recorrentes, transtornos de ansiedade, sintomas de depressão, estresse, paranoia e dependência química são os principais agravos relatados pelos profissionais que lidam com o ambiente prisional e pelos internos. E os transtornos mentais não são maioria ou exclusividade dos presídios estaduais que trazem problemas graves de superpopulação e falta de atenção à saúde em geral do preso. Esses aparecem também nas penitenciárias federais, mesmo com condições de estrutura melhores.

Uma pesquisa rápida feita, há dois meses, pelo programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas em Direitos Humanos da UFRJ, coordenado por Bicalho, apontou que dos 101 presos na penitenciária federal de Catanduvas (PR), 62% faziam uso de alguma medicação, sendo 93% dos medicamentos de origem psicotrópica.

Dados fornecidos pelo Departamento de Recursos Humanos do Depen relataram que, em 2014, houve 22 ocorrências de afastamento de servidores por transtornos mentais ou comportamentais. Em 2015, foram 43. “Pensar em ações que diminuam a incidência de transtornos mentais em presos e servidores precisam acompanhar a construção de políticas penais que sejam condizentes com a individualidade do preso e com a valorização da qualidade de vida do servidor”.

A profissão exige situações de extremo estresse. “Ao mesmo tempo que o profissional de segurança deve ter uma atenção difusa para lidar com o perigo iminente, o momento exige um nível alto de concentração, na hora de acertar um alvo com uma arma por exemplo”, explicou Bicalho.

Conquistas

Os indicadores da situação do sistema penitenciário federal demonstram os significativos avanços conquistados nos últimos 10 anos. A ausência de rebeliões, por exemplo, segundo Bicalho, reforça que o sistema está promovendo a segurança e disciplina dos presos, ao mesmo tempo que constrói sua individualidade. Para ele, a reabilitação por meio da leitura é um caso de sucesso no sistema penitenciário.

Para o diretor da penitenciária federal de Campo Grande (MS), Rodrigo Almeida Morel, que acompanhou a palestra como moderador, muitas conquistas foram alcançadas com a implementação do sistema prisional federal no País, mas ainda há muito o que fazer. “Faltam estudos que mensurem os efeitos de se estar em um ambiente de prisão. Temos sido bastante demandados das consequências disso para os internos e servidores. Há de se pensar em políticas de enfrentamento cada vez mais eficazes”.

Em encerramento à sua fala, Bicalho foi taxativo. “Não dá para entender uma discussão jurídica criminal (execução, investigação, julgamento) sem levar em conta quem é esse sujeito que pratica o crime e o que ele sente. Isso vai ser importante para o policial militar no momento de construir sua primeira suspeita, para o delegado e para o Ministério Público na produção de um indiciamento, para o juiz no momento da dosimetria, e no processo de individualização da pena. A partir do momento em que o sistema jurídico criminal assumiu a culpabilidade, a criminologia deixou de ser apenas dogmática”, finalizou o professor.