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Entrevista com Carlos Augusto Guimarães Pereira, coordenador da I Jornada de Direito Administrativo

por publicado: 06/02/2020 17h04 última modificação: 06/02/2020 17h05

Termina no próximo dia 10 de fevereiro o prazo para o envio de enunciados à 1ª Jornada do Direto Administrativo, promovida pelo Conselho da Justiça Federal (CJF). O coordenador científico do evento, Cesar Augusto Guimarães Pereira, lembra que a participação na Jornada pressupõe a formulação de propostas de enunciados que serão sujeitas a esse debate. “Sem ter sido convidado como professor especializado na matéria ou sem ter apresentado uma proposta para discussão, o eventual interessado em participar da Jornada não vai ter como participar, porque não há inscrições livres para o público”, afirma.

Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP (2005) e autor das publicações "Elisão Tributária e Função Administrativa" (Dialética, 2001) e "Usuários de Serviços Públicos" (Saraiva, 2ª ed., 2008), entre outras, Guimarães Pereira é presidente da Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (CAMFIEP). Leia a seguir a entrevista que ele concedeu sobre a 1ª Jornada do Direto Administrativo.

 

1) Na sua opinião, qual é a importância da Jornada de Direito Administrativo no universo jurídico?

As jornadas, em geral - não só está do Direito Administrativo -, têm sido muito importantes. Foram criadas em 2002 por iniciativa do ministro Ruy Rosado, no ambiente da edição do novo Código Civil de 2002, e elas já se consolidaram em diversas áreas como um ambiente para discussão doutrinária, aprofundando a respeito de questões práticas, com o propósito de formular proposições interpretativas a respeito das normas.

Então, esse formato, em que se reúne especialistas para discutir propostas de interpretação que, às vezes, consolidam o entendimento já reconhecido acerca do tema, às vezes, propõe entendimentos novos, mas sempre refletindo em um determinado consenso da doutrina. Ela [a jornada] de fato se tornou muito conhecida em diversas áreas. No âmbito do Direito Civil, já foram realizadas oito jornadas; no Direito Comercial, três, por exemplo.

E agora, finalmente, o Conselho da Justiça Federal decidiu fazer a 1ª Jornada de Direito Administrativo. É muito relevante que esse formato, já consagrado em outras áreas do Direito, agora tenha chegado ao Direito Administrativo e vá permitir que os principais temas da área possam ser tratados nesse mesmo ambiente, de reunião de doutrinadores e especialistas, de discussão intensa e aberta durante o trabalho da jornada e, depois, de um procedimento rigoroso de discussão e votação a eventual aprovação de alguns enunciados que vão traduzir o consenso da maior parte da doutrina de Direito Administrativo brasileiro a respeito desses temas. Então, é, de fato, uma iniciativa muito meritória do CJF de introduzir esse formato de discussão agora no Direito Público.

2) Quais são os resultados práticos esperados desse evento?

A ideia da Jornada é justamente a de propor, discutir e aprovar enunciados que traduzam um entendimento a respeito das normas jurídicas vigentes. Então, o que se espera da jornada é uma discussão ampla a respeito de muitos dos temas relevantes que a doutrina vem debatendo no Direito Administrativo brasileiro para orientar a jurisprudência, os aplicadores do Direito acerca desse entendimento predominante na doutrina.

Os enunciados que forem produzidos na jornada não se confundem com súmulas, nos Tribunais Superiores, e não refletem necessariamente a jurisprudência, mas traduzem o entendimento doutrinário. O que a jornada faz é reunir doutrinadores que pensam de formas distintas, que vão ficar reunidos durante dois dias, para chegar a um certo consenso a respeito de determinados temas.

É só imaginar que, em lugar de fazer uma ampla pesquisa a respeito da doutrina produzida por diversos desses grandes administrativistas que vão estar na jornada, um aplicador do Direito Administrativo pode-se valer de um enunciado produzido na jornada do Direito Administrativo que vai traduzir exatamente isso: o fruto do debate desses diversos doutrinadores e o consenso mínimo que vai ter recebido a aprovação de dois terços desse grande número de doutrinadores reunidos. Então, é muito significativo que haja a aprovação de enunciados desse tipo e que os aplicadores do Direito, depois dessa jornada, vão poder receber essas proposições de orientação interpretativa como um reflexo do entendimento no Direito Administrativo brasileiro.

3) Quais temas foram objeto de mais propostas de enunciados para esta edição?

A Jornada de Direito Administrativo é divida em seis comissões de trabalho. Elas procuram reunir os principais temas em debate hoje em dia no Brasil. Cada comissão dessas tem dois coordenadores científicos e um presidente, que é o ministro do STJ.  

Percebemos um fenômeno nesta Jornada que talvez não tenha acontecido da mesma forma em outras áreas, que foi o surgimento espontâneo, por meio de diversas instituições em várias cidades, de reuniões preparatórias, em que a comunidade jurídica examinava a temática dessas diversas comissões e discutia temas que poderiam vir a ser objeto de enunciados para debate na jornada. Ficamos muito satisfeitos na coordenação com o surgimento desse tipo de manifestação de interesse. Eu, por exemplo, participei de várias dessas reuniões a convite dos organizadores. Os coordenadores das comissões e outros envolvidos na coordenação também participaram das reuniões preparatórias e percebemos um interesse muito grande por diversos dos temas.

Se eu fosse eleger uma campeã de demonstração de interesses até agora, talvez seja justamente a comissão número 6, que trata de improbidade, leniência e legislação anticorrupção. Não é nenhuma surpresa que tenha surgido tanto interesse a respeito desse tema, porque, afinal, é de fato um complexo de matérias com as quais nós temos tido que lidar muito intensamente nesses últimos anos no Brasil. Nós percebemos nas reuniões preparatórias e através da remessa de proposições até agora que todas as comissões têm gerado muito interesse, porque todas elas lidam com coisas muito práticas que estão nos livros de Direito Administrativo e nos tribunais o tempo todo.

4) Em sua análise, há algum tema que merece maior destaque e discussão? Se sim, qual?

Não há nenhum tema desses que gere ou mereça maior destaque. Quando nós estruturamos a Jornada nesses seis temas e grupos, tentamos apanhar tudo que havia de importante no Direito Administrativo brasileiro, desde os temas mais clássicos – que são aqueles fundamentais para a compreensão do Direito Administrativo e para aplicação segura das regras -, como os temas mais modernos, como arbitragem, anticorrupção e leniência, por exemplo. 

Diferentemente de um congresso - em que as pessoas vão passivamente assistir às palestras, a Jornada é uma reunião de pessoas interessadas e especializadas nos temas para discutir propostas de enunciados e produzir, através de um processo intenso de discussão e votação, enunciados que reflitam o consenso da doutrina.

Então, a Jornada só faz sentido a partir do interesse manifestado pela sociedade e comunidade jurídica de produzir essa discussão e, por isso, é tão importante que os interessados no Direito Administrativo se deem conta de que não há como, em abril, no dia da Jornada ou poucos dias antes do evento, se inscrever para participar e assistir aos debates. Não existe isso.

A participação na Jornada pressupõe a formulação de propostas de enunciados que vão ser sujeitas a esse debate. Sem ter sido convidado como professor especializado na matéria ou sem ter apresentado uma proposta para discussão, o eventual interessado em participar da Jornada não vai ter como participar, porque não há inscrições livres para o público.

Pretende-se que os interessados em participar da Jornada remetam ao CJF as suas propostas de temas para discussão, formatadas à forma de um enunciado, uma proposta de interpretação. E essas propostas devem ser enviadas para que a Jornada tenha matéria-prima para a discussão. Os doutrinadores todos que vão se reunir, eles próprios podem enviar propostas para discussão. Todas elas serão anônimas.

5) O que é necessário para se obter um enunciado de qualidade?

O enunciado deve ser bem objetivo. O proponente deve encontrar um tema que mereça a atenção da doutrina do Direito Administrativo e formular uma interpretação a respeito da norma que disciplina esse assunto em um texto curto e objetivo.

Basicamente, se esse texto for curto e objetivo, direto ao ponto e propuser, então, uma interpretação a respeito do direito vigente, no sentido que for, ele vai ser um enunciado útil.

Os enunciados são admitidos para discussão na medida em que eles cumpram esses requisitos: sejam objetivos, tratem do direito vigente - não tratem, portanto, de propostas legislativas, de direito já não mais vigente, a não ser que ele tenha, por qualquer razão, alguma aplicabilidade ainda. Portanto, que sejam temas que estão aptos à discussão. Se os coordenadores concordam ou não com a proposição, isso é irrelevante. Vai caber ao conjunto dos doutrinadores da jornada discutir o tema, votar a proposição e aprová-la ou não.