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Debates sobre jurisprudência, desafios e lacunas da LGPD marcam primeiro dia do seminário internacional

Evento

por publicado: 29/04/2021 18h09 última modificação: 30/04/2021 12h46
O encontro virtual, que reúne magistrados e especialistas, terá continuidade nesta sexta-feira (30/4)
Colin Bennett, professor da Universit of Victoria, no Canadá, e um dos keynotes do evento

Colin Bennett, professor da Universit of Victoria, no Canadá, e um dos keynotes do evento

Os debates do primeiro dia do “II Seminário Internacional sobre a Lei Geral de Proteção de Dados - Arquitetura da privacidade no Brasil: eixos centrais da Política Nacional de Proteção de Dados”, ocorrido nesta quinta-feira (29/4), destacaram questões como jurisprudência, desafios e lacunas na implementação da LGPD  (Lei n. 13.709/2018), sancionada em setembro de 2020O evento virtual prosseguirá na sexta-feira (30/4). 

A professora da Universidade de Brasília (UnB) Laura Schertel Mendes, diretora do Centro de Direito, Internet e Sociedade (CEDIS/IDP) e uma das coordenadoras científicas do seminário, moderou o painel “O direito fundamental à proteção de dados no Brasil: novos desenvolvimentos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Nele, a advogada Estela Aranha, presidente da Comissão de Proteção de Dados da Ordem dos Advogados do Brasil Rio de Janeiro (OAB-RJ), destacou os avanços na legislação brasileira ao reconhecer a proteção de dados pessoais como um direito fundamental.  

A advogada citou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendendo a eficácia da Medida Provisória (MP) n. 954/2020 - que previa o compartilhamento de dados de usuários de telecomunicações com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a produção de estatística oficial durante a pandemia do novo coronavírus - por entender que haveria violação do direito constitucional à intimidade, à vida privada e ao sigilo de dados. “Nossa LGPD é bem genérica em relação ao poder de uso de dados pela administração pública. O julgamento constitucionaliza essa questão. Isso é muito importante”, alegou Estela Aranha. 

Já o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Mafei, lembrou que em decisões anteriores a Suprema Corte entendeu que não havia de se falar em violação de sigilo nos casos de transferência de dados entre os órgãos públicos e que, naquela ocasião, anterior à edição da LGPD, o Supremo ainda previa interpretação diferenciada entre dados de comunicação e dados armazenados. “Hoje, o STF está desenhando uma mudança na sua orientação jurisprudencialseja em relação à distinção de dados em trânsito, seja em relação aos dados armazenados”, disse ele 

O professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Ingo Sarlet acrescentou que já existem discussões sobre o reconhecimento de que as pessoas jurídicas teriam direito à privacidade e à livre autodeterminação informacional. “O rol não é taxativo, não se exaure aqui as possíveis posições subjetivas que podem ser conduzidas ao direito fundamental na produção de dados. O direito fundamental vai além da proteção da vida privada e da intimidade, vai além da livre autodeterminação informacional”. Para o docente, marco constitucional e o novo entendimento do STF tornam-se vinculativos à própria LGPD que, na visão do professor, futuramente, pode ser revista com a finalidade de readequar sua redação às prerrogativas previstas na Carta Maior. 

Lacunas agenda regulatória 

O tema do segundo painel foi “A política nacional de proteção de dados em construção: lacunas, prioridades e agenda regulatória, com moderação dconselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Otavio Luiz Rodrigues Junior. 

O primeiro especialista convidado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org), Ronaldo Lemos, enfatizou que não há como almejar desenvolvimento econômico e social no Brasil sem uma política efetiva de dados. “A LGPD é fundamental, faz parte de um dos elementos dessa política, mas não pode ser o único elemento. Se a gente parar só na LGPD, onde foram criadas regras e bases jurídicas, será insuficiente, e nós não necessariamente seremos capazes de produzir os bônus que vão ser necessários para essa economia do conhecimento”, alertou ele. 

A professora adjunta de Direito Civil da UnB Ana Frazão destacou pontos preocupantes que devem ser observados com a implantação da LGPD. Entre eles, o vazamento de dados de órgãos públicos, o uso de sistemas de inteligência artificial na administração púbica e a necessidade de compatibilizar a Lei Geral de Proteção de Dados à cibersegurança e à segurança nacional. “Precisamos urgentemente pensar em protocolos, procedimentos, tecnologia de segurança para resolver os problemas de vazamento de dados. Essa é a pontinha do iceberg porque a agenda regulatória é muito mais ampla”, apontou Ana Frazão. 

Concluindo, a jornalista Bia Barbosa, da Coalizão Direitos na Rede, alertou para o fato de que o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade, estabelecido no art, 58-B da LGPD, ainda  não foi criado. O Conselho prevê a participação de 23 indicados da academia, do setor privado, do poder público e da sociedade civil para compor o Colegiado, que tem como missão propor diretrizes e fornecer subsídios para a elaboração da Política Nacional de Dados no Brasil. “A agenda regulatória foi publicada antes da criação do Conselho. A gente tem a divulgação da lista dos indicados, mas não sabemos quando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados vai finalizar o processo de formação das listas tríplicestampouco  sabemos os critérios que vão ser utilizados neste sentido”, finalizou a jornalista. 

Democracia e proteção de dados 

Os trabalhos do dia foram concluídos com a apresentação do keynote Colin Bennett, professor da Universit of Victoria, no Canadá, com o tema “Democracia, eleições e proteção de dados pessoais”. A moderação foi realizada pelo diretor do CEDIS/IDP, Danilo Doneda, que introduziu o currículo do especialista. 

A discussão trazida pelo professor Bennett explorou a utilização dos dados pessoais em campanhas eleitorais e como o processamento dessas informações influenciam os eleitores e os financiadores das campanhas através de técnicas de personalização. O professor apresentou algumas análises de casos concretos nos Estados Unidos, envolvendo o manuseio de informações pessoais dos cidadãos para manipular o cenário político.  

O especialista alertou que o uso dos dados privados nas eleições é uma tendência que traz inúmeros desafios. “Quando falamos da regulamentação dessas práticas, nós temos que ter em mente que não é apenas proteção de dados na legislação que estamos considerando. A vigilância dos eleitores inclui a liberdade de expressão, direitos constitucionais e legislação eleitoral”. 

Ao falar sobre as tecnologias utilizadas nessas práticas, Bennett explicou que existem aplicativos para smartphones que capturam os dados dos eleitores e imediatamente transferem as informações para a base de dados dos partidos políticos, o que ele classificou de "muito preocupante”.  

Realização 

O “II Seminário Internacional sobre a Lei Geral de Proteção de Dados - Arquitetura da privacidade no Brasil: eixos centrais da Política Nacional de Proteção de Dados” é realizado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM); o Fórum de Democracia Europa-Brasil da Embaixada Alemã; e o Centro de Direito, Internet e Sociedade do Instituto Brasiliense de Direito Público (CEDIS/IDP). 

O encontro terá continuidade na sexta-feira (30/4),  de forma virtual, por meio de webconferência, com transmissão ao vivo pelo canal do CJF no YouTube. Confira a programação oficial do encontro.