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EMAG debate crime organizado e as inovações na Lei de lavagem de dinheiro

publicado 14/09/2012 17h00, última modificação 11/06/2015 17h13

Especialistas avaliam que houve avanços significativos com a mudança

A Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, dirigida pelo desembargador federal Mairan Maia, realizou, nos dias 10 e 11 de setembro, o curso “Criminalidade organizada e Lavagem de Dinheiro”. A ideia foi discutir como os sistemas jurídicos brasileiro e italiano lidam com as organizações criminosas e, ainda, debater as alterações trazidas pela Lei 12683/12, que modificam a Lei 9613/98, a fim de tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.

O desembargador federal José Lunardelli, do TRF3, presidiu os trabalhos e traduziu alguns tópicos da palestra do professor de direito penal Vicenzo Militello, da Universidade de Palermo. O conferencista abordou o uso da violência pelas organizações criminosas para exercer controle no local onde atuam e analisou também a capacidade que o crime organizado tem de se infiltrar na sociedade por meio da corrupção da polícia, da magistratura e de outros setores.

O professor Militello ilustrou sua palestra com alguns exemplos de como o sistema jurídico da Itália foi se adaptando às mudanças introduzidas pelo desenvolvimento da criminalidade, De acordo com ele, apesar de as atividades mafiosas terem surgido muito antes, até 1930, a palavra “máfia” não constava do código penal italiano.

Militello relatou que, após o assassinato, em 1992, dos juízes Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, condutores de processos contra a Máfia, o estado italiano ofereceu uma  resposta mais dura: foram introduzidas modificações no código de processo penal para combate à criminalidade mafiosa.

O juiz federal Rafael Wolff, do Juizado Especial Federal Criminal de Lageado (RS), trouxe para discussão algumas questões no direito brasileiro como a introdução dos conceitos de “organização criminosa”, “milícia” e “grupo de extermínio” no novo código penal em análise no Congresso Nacional, atitude que segue o exemplo italiano de estabelecer tipos penais em sua legislação.

Wolff lembrou a atuação de entidades civis contra o pagamento de taxas de proteção para a Máfia. Valendo-se dessa experiência, ressaltou que a criminalidade não se resolve apenas com legislação avançada, mas também com uma mudança de mentalidade e a participação da sociedade civil.

Avanços na legislação

O desembargador federal André Nekatschalow, do TRF3, presidiu a mesa de trabalhos na palestra com o tema “Inovações na Lei de Lavagem de Dinheiro”, que contou com a presença do juiz federal Alexandre Berzosa Saliba, da 2ª Vara Federal de São Carlos. Na sua apresentação, o magistrado analisou algumas características da Lei 12683/12, que veio a revogar parcialmente a Lei 9613/98.

Segundo o palestrante, a legislação promulgada há aproximadamente dois meses é fruto de várias discussões e vem ao encontro do que a política criminal mais moderna aconselha em termos de combate ao crime de lavagem de dinheiro. A legislação anterior previa um rol de crimes que antecediam a lavagem de dinheiro. A legislação nova considera que qualquer infração penal poderá ser considerada como crime precedente de lavagem de dinheiro. Na sua opinião, há risco de as alterações legislativas anularem as medidas de desencarceramento previstas na Lei 12403/11.

Saliba acredita que, com a alteração normativa, poderá haver uma sobrecarga das varas especializadas. Em sua opinião, toda vara criminal deveria ter a competência de processar e julgar os crimes de lavagem de dinheiro. Para o magistrado, caberia aos Tribunais Regionais Federais abrirem o leque da especialização. Ele comparou as implicações trazidas pela alteração da lei a um jogo de xadrez: “Nesse tabuleiro do processo, um movimento inadequado pode trazer uma consequência no conjunto inteiro.”

O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima levantou algumas preocupações de ordem prática. Em sua palestra, afirmou que, apesar da lei de combate à lavagem de dinheiro ter dez anos, ela ainda parece ser novidade para muitas pessoas. Salientou também que, em relação a crimes financeiros, a legislação brasileira deve ser interpretada levando em conta as diretrizes europeias e as determinações do GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional).

De acordo com o procurador, o maior objetivo no combate à lavagem de dinheiro é o sufocamento financeiro das organizações criminosas, chegando-se até mesmo ao  ponto de impedir que recursos ilícitos sejam usados para o pagamento da defesa jurídica dessas organizações. A esse respeito, Santos Lima aborda diretamente o tema central de sua palestra, a noção de compliance, que são as obrigações de controle que se espera não apenas do estado, mas, também, dos agentes particulares envolvidos em algum grau com atividades que os expõem aos crimes de lavagem de dinheiro, como contadores, economistas, notários e advogados, entre outros profissionais liberais.

Ao terminar sua participação, o procurador esclareceu que interpreta o conceito de compliance tal como entendido pelo Departamento Americano de Justiça. Nesse sentido, destacou que a lei garante que o advogado não pode ser forçado a delatar o crime de um cliente. No entanto, há outras obrigações de compliance, como guardar dados de identificação do cliente, conhecimento de seus negócios, arquivamento e identificação dos documentos apresentados. Trata-se de uma medida de segurança, pois a classe dos advogados é suscetível de se envolver com crimes de lavagem de dinheiro.

O advogado Fernando Neisser lembrou em sua exposição que, embora a questão da lavagem de dinheiro seja em geral relacionada ao tráfico de entorpecentes e de armas, está profundamente vinculada à corrupção. Para ele, o que a nova lei traz é uma mudança na forma como se entende a corrupção, antes vista pelo aspecto moral, como uma patologia social. A legislação fez um avanço, pois procurou adequar uma discussão menos moralizante e mais instrumental no combate à corrupção.

Outro ponto destacado pelo conferencista foi o fato de a lei adequar-se às recomendações mais atuais do GAFI. Em sua opinião, no entanto, o problema de toda adaptação legislativa que busca uniformizar as legislações internacionais é a compatibilidade das normas com o ordenamento jurídico de cada país.

Por fim, lembrou que o Brasil sofreu censuras de órgãos internacionais por seus processos de lavagem de dinheiro não chegarem a termo. Com a alteração da lei, o advogado demonstrou receio quanto ao risco de uma vulgarização dos crimes de lavagem, punindo-se o pequeno delinquente - por ser mais fácil comprovar a lavagem de dinheiro inserida na economia informal - que o grande corrupto ou o grande traficante de entorpecentes, que talvez continuem impunes. No entanto, as estatísticas, a partir da mudança, acredita o especialista, irão demonstrar que este é um país que consegue condenar por lavagem de dinheiro. Para ele, a questão que se coloca é: “Será que a sociedade clama pela punição desse tipo de lavagem?”

O curso foi coordenado pelos desembargadores federais Mairan Maia e José Lunardelli. O evento teve apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil-AJUFE, Escola Nacional de Formação de Aperfeiçoamento de Magistrados-ENFAM e do Programa Nacional de Aperfeiçoamento de Pesquisa para Juízes Federais-PNA.

Fonte: Ascom - TRF da 3ª Região