III Jornada de Direito Comercial
Ministros Ruy Rosado de Aguiar Júnior e Paulo de Tarso Sanseverino
Comércio Internacional
Ministro Raul Araújo
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Para fins de interpretação do art. 3(2) da CISG (Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias), promulgada pelo Decreto n. 8.327, a natureza de compra e venda de mercadoria é prevalente e não é descaracterizada pelo (i) caráter híbrido do bem objeto da compra e venda, como eletrodomésticos inteligentes, computadores e outros itens com funcionalidades digitais associadas, nem pela (ii) prestação de serviços acessórios de instalação, atualização ou desenvolvimento de software necessários para o funcionamento do bem objeto da compra e venda.
Redigida em sua versão final em 1980, a CISG foi o produto de debates em um cenário de comércio internacional que se alterou drasticamente nestes 40 anos. Embora a Convenção não deva ser reescrita a cada modismo, necessário que sua leitura se atualize de forma a garantir que possa continuar a cumprir seu papel vital.
Uma das principais quebras de paradigma foi a da separação entre software e hardware. Por um processo que culmina na chegada da internet of things, é cada vez mais comum que bens contenham dimensões digitais relevantes - da interface necessária para operar maquinário industrial até sensores integrados a móveis. Estes bens são vendidos, comprados e divulgados como híbridos - smart products - mercadorias em si próprias. Assim, não faria sentido que a interpretação jurídica dos contratos por meio dos quais circulam tais mercadorias ocorresse de forma diversa. Ao contrário, levaria a um destacamento injustificado entre prática comercial e jurídica.
Conforme Hiroo Sono, o tratamento destes bens como "mercadorias híbridas" cuja venda é sujeita à CISG é a regra em casos análogos.¹ Um livro é composto também de uma dimensão física (papel, tinta) e uma digital/codificada (informação), mas nem por isso se afasta a aplicação da CISG sobre parte ou toda a sua venda. Da mesma forma, serviços acessórios que visem o funcionamento do aspecto digital devem ser absorvidos pela obrigação principal de compra e venda - não podem ser preponderantes em si, quando são por natureza secundários.
Dessa forma, ainda que os debates sobre a CISG não tenham inicialmente previsto tais níveis de tecnologia, a própria Convenção foi designada para se adaptar, aprimorando-se em técnica e uso, de forma a se tornar flexível para lidar com operações do mercado internacional². -
- ¹ SONO, Hiroo. "The applicability and non-applicability of the CISG to software transactions". In: SCHROESTER, Ulrich G.; ANDERSEN, Camilla B. (Eds.) "Sharing international commercial law across national boundaries: Festschrift for Albert H. Kritzer on the occasion of his eightieth birthday". London: Wildy, Simmonds & Hill, 2008, p. 512-526. Disponível em:
Norma: Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias - Decreto n. 8.327/2014
ART: 3º
PAR:2;
INTERNET DAS COISAS. UNIFORMIZAÇÃO. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO. TECNOLOGIA.